A HABANERA DE BIZET : UM INDISFARÇÁVEL PLÁGIO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Georges Bizet
A ópera Carmen de Bizet é uma das obras mais populares do repertório lírico, admirada até mesmo por homens sisudos como Friedrich Nietsche e Johannes Brahms. Eu mesmo, que tive a oportunidade de reger a obra diversas vezes, julgo a Carmen uma ópera excepcionalmente feliz em sua extrema musicalidade associada a um belo trabalho criativo. No entanto existe um trecho da partitura que foi surrupiado de forma, vamos dizer, desleal. A Habanera, que marca a entrada do personagem título da obra, foi desavergonhadamente copiada de uma partitura composta duas décadas antes da conclusão da ópera. O verdadeiro autor da Habanera da ópera Carmen foi Sebastián Iradier, compositor espanhol que viveu de 1809 até 1865. Faleceu dez anos antes da catastrófica estreia da ópera (escrevi um texto sobre o escândalo da estreia. Veja aqui
O compositor espanhol Iradier
Iradier e as Habaneras
Iradier esteve em Cuba e no México em 1840, e acabou trazendo para a França, onde sua obra foi editada, um enorme apreço por Habaneras. Iradier foi um especialista neste ritmo, e é justo lembrar que a febre que existiu sobre o ritmo da américa central está presente em obras de seus contemporâneos como Louis Moreau Gottschalck e Emanuel Chabrier, e compositores posteriores como Debussy, Ravel, e Alban Berg. Iradier é autor de uma Habanera muito popular até hoje, que é chamada La Paloma, que já foi interpretada por grandes cantoras como Victoria de Los Angeles e Montserrat Caballé. A obra de Iradier que Bizet copiou foi El Arreglito, de 1855. Quem a escuta fica impressionado que Bizet não apenas copiou a melodia, mas a própria alternância entre uma parte inicial em modo menor e uma sequência em modo maior. Bizet aperfeiçoa muitos detalhes mas existe mesmo o plágio.
Reações nos ensaios
Quando os ensaios para a estreia da obra começaram Célestine Galli-Marié, a primeira intérprete de Carmen, foi a primeira a reconhecer o plágio. Sua reclamação, confirmada por diversos coralistas, teve como resposta de Georges Bizet que aquela seria uma melodia folclórica espanhola. Apesar de que a cantora tinha grande admiração por Bizet, odiava o trecho, e num ensaio trouxe a partitura original de Iradier. Bizet, não tendo nenhum tipo de desculpa, solicitou ao editor Choudens que colocasse na partitura: “baseada numa canção de Yradier” (com Y, como o compositor ficou conhecido na França), sendo que esta frase desapareceu nas edições posteriores. Só que para quem escuta a obra de Iradier percebemos que a Habanera é muito mais do que apenas “baseada”. É quase copiada.
Stromae e o “pássaro rebelde” do Twiter
Bizet, Carmen e o Twiter
Não tenho dúvida de que a obra de Iradier, El Arreglito, não ficaria tão conhecida se não tivesse sido plagiada por Bizet. A Habanera da ópera Carmen é uma das páginas de música clássica mais conhecidas, rivalizando com o Bolero de Ravel, a Carmina Burana de Orff, a Pequena Música Noturna de Mozart e outros grandes “sucessos” do gênero. Quando a ouvimos nas vozes de Maria Callas, Victória de Los Angeles ou Elīna Garanča esquecemos rapidinho o plágio. A fama (justificada) da ópera fez com que a Habanera fosse utilizada em ambientes bem afastados dos teatros líricos. Um exemplo recente bem divertido vem de um compositor e cantor belga, Stromae. No álbum Racine Carrée de 2013 há uma faixa que se chama Carmen. A Habanera é genialmente utilizada fazendo a relação da frase “o amor é um pássaro rebelde”, utilizada na ópera, com o pássaro azul do Twiter. Como os amores em tempos de internet podem ser fugazes, como os de Carmen. Stromae se utiliza de Bizet que se utilizou de Iradier. Como diz o ditado: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/a-habanera-de-bizet-um-indisfarcavel-plagio/

Comentários

  1. Obrigada Colarusso!
    Sempre trazendo histórias interessantes, curiosas e esclarecedoras sobre esse nosso maravilhoso mundo musical!
    Abraços...

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