O REALISMO INSÓLITO DO DIRETOR CÊNICO DE "ADRIANA LECOUVREUR". CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA COM EXCLUSIVIDADE PARA O BLOG DE ÓPERA E BALLET.





   Francesco Cilea nasceu em Palmi na Calábria no ano de 1866, e foi o último representante do verismo italiano. Sua ópera "Adriana Lecouvreur", cheia de lirismo e paixão, estreou no Teatro Lírico de Milão, a 6 de novembro de 1902, com o tenor Enrico Caruso que iniciava a sua promissora carreira ao lado do soprano Angelica Pandolfini, consagrada intérprete que garantiu o êxito desta ópera por toda a Europa, secundada pelo barítono Giuseppe de Luca. A protagonista é um personagem histórico. Ingressou com 25 anos na Comédie Française em 1717. Durante alguns anos foi a atriz mais celebrada de Paris, intérprete de Corneille, Racine e Voltaire, vivendo entre 1692 e 1730 quando veio falecer; conta-se que, recusada pela Igreja, foi sepultada clandestinamente por um grupo de amigos, à noite, próximo às margens do Sena. 
       O libreto é de Arturo Collauti, e a versão presente no Theatro São Pedro é a original, cantada em italiano, e não se pode escrever sobre esta obra sem lembrar de duas grandes intérpretes brasileiras que tanto brilharam em nossos maiores teatros: a grande diva Ida Miccolis, viveu-a no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no ano de 1956 e 1969 com a sua conhecida categoria internacional,  e a paulista Hercília Block,  insigne soprano,  que a vestiu condignamente em São Paulo, em 1973, também com grande categoria de artista consagrada em nosso meio musical. No âmbito universal; Renata Tebaldi, Elisabetta Barbato (1951 no TMSP), Magda Olivero, Montserrat Caballé, Renata Scotto e Mirella Freni arrepiaram as plateias do mundo durante o século XX. 
        Tudo é estranho apresentando e acumulando uma tensão que segue até o final do espetáculo: os recursos  cênicos que André Heller-Lopes usa estão alí como que para atrapalhar uma história compactuada por 103 anos de existência desta ópera. Segundo ele próprio: uma visão atemporal e contemporânea (ainda que fiel ao texto); tudo moderno, sem compromissos de época, trajes e costumes, adereços (traje social do Príncipe de Bouillon com luvas brancas,  nesta época )? penteados e maquiagem, câmeras de gravações virtuais,  celulares para registro de cenas fortes e as atitudes que pouco têm a ver. Sobre o lindo ballet do ato III,  em torno de Vênus, Amazons,  Wisdon etc, o diretor submeteu os artistas (os quais nenhum é bailarino) a realizar um misterioso trabalho o qual poucos entendem e que resultou numa pantomima de carater pobre e de marçana criatividade, levando-nos à exaustão. 

        Os recursos usados da escola verista, destaca o uso do teatro dentro do teatro (metalinguística) no recitativo de Adriana nos 1º  e 3º atos; mas necessita uma grande atriz cantora para ensejá-lo e  refletir a característica delicada e da grandiosidade do teatro clássico francês. Aqui ouvimos uma artista Daniella Carvalho em plena ascensão de sua carreira.  Dentro de poucos anos teremô-la apta a enfrentar as dificuldades e características somadas a finura melódica composta por Cilea. De instrumentação orquestral  requintada com boas e belas árias destinadas à protagonista, ela preencheu convenientemente seu personagem. Soprano lírico spinto de belo e escuro timbre, apoiada e conduzida em boa escola, a cantora saiu-se bastante bem nos duetos com Maurizio e com Bouillon, em dramático confronto entre as rivais no amor. Cantou lindamente a ária "Poveri fior i" exibindo uns legatos maravilhosos, compensando assim a morna entrada em cena com "Io son l'umile ancella", ainda  por se aquecer !
      O tenor Eric Herrero ( Maurizio ) não possui a igualdade no colorido e a afinação  é comprometida em várias passagens "L' anima ho stanca " ato II, foi por pouco arruinada, o que revela má formação  técnica. Ademais sua presença é inexpressiva; nem parecendo estar apaixonado por Adriana. 
      O barítono Johnny França,  o diretor da Cia francesa, bem cenicamente, mas sua projeção vocal nem sempre é certeira,  desajustando a afinação. "Ecco il monologo", de Michonnet  não atingiu o seu climax,  como era de se esperar.  Denise de Freitas como a Princesa de Bouillon apresentou uma linha vocal irregular, com abuso dos graves de peito, em que lhe pese uma atuação cênica de forte presença. Definhado o rendimento vocal do baixo Gustavo Lassen no Príncipe de Bouillon; o destaque vocal dirigiu-se ao tenor leggero Daniel Umbelino, especializado em Lied e no canto barroco; muito bem como o Abade de Chazeuil. Completaram o elenco de suporte o soprano Maria Sole Gallevi, o meiossoprano Cecilia Massa (Mlle Jouvenot e Dangeville); o tenor Mar Oliveira (Poisson); Gustavo Muller, baixo (Quinault) e o tenor Edilson Junior (Mordomo) satisfatoriamente. 
    A cenografia estilhaçada de Renato Theobaldo, marca registrada de sua lavra, pecou sobremaneira no ato IV; ausência dos aposentos de Adriana, falecendo,  onde ? Iluminação débil de Fábio Retti, muitas vezes arruinada pela penumbra inconcebível do ato I. Assinale-se aqui a deficiência de luz em sucessivas óperas, em relação às gavelas  de luz, sobre a legenda, que acarretam a dificuldade da leitura. Desta vez Fábio Namatame exagerou nos figurinos, tornando-os bizarros, esquisitos apesar da contemporaneidade assumida, em prejuízos visuais em sua contextualização . Um exagero:   o traje de Bouillon ato III. 
    Na regência de Flávio Lago (récita de 08 de Abril)  ouviram-se violinos em desalinhamento e certa insegurança do conjunto na tão bela e densa massa orquestral do compositor calabrês, peculiarmente no interlúdio intenso do ato IV, página antológica de criação sinfônica. Próximas récitas em 13, 15 e 17 de Abril. 

Escrito por Marco Antônio Seta em 10 de Abril de 2016.
Jornalista Inscrito sob. nº 61.909 MTB - SP

Adriana Lecouvreur, foto Internet.

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