YEHUDI MENUHIM: CENTENÁRIO DE UM GRANDE MÚSICO E HUMANISTA. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Venturas e desventuras de um virtuose
Lembrar de Yehudi Menuhim no centenário de seu nascimento (ele nasceu em 22 de abril de 1916 em Nova York) nos leva a uma profunda reflexão sobre a existência de um grande instrumentista, excepcional e brilhante numa época, criativo frente às limitações que surgiram. Criança prodígio já dava recitais aos 7 anos de idade, e aos 10 tocava a complicadíssima Sinfonia Espanhola de Éduard Lalo para violino e orquestra. Nesta época procurou o grande músico romeno Georges Enescu para ter aulas. Ao ouvi-lo Enescu prontificou-se a dar alguma orientação, mas imediatamente o convidou para tocar e gravar com ele o Concerto para dois violinos de Bach. Aos 13 era solista da Filarmônica de Berlim atuando junto ao grande maestro Bruno Walter e durante a Segunda Guerra Mundial tocou diversas vezes para as tropas aliadas, sendo acompanhado ao piano pelo compositor inglês Benjamin Britten. O auge de sua carreira como violinista acontece nos anos que seguiram a Segunda Guerra, especialmente suas atuações com o maestro alemão Wilhem Furtwängler. A partir daí a grande surpresa: Menuhim vai se tornando cada vez mais um instrumentista instável e inseguro, chegando mesmo a realizar apresentações sofríveis. Muito se discute a respeito desta transformação de Menuhim, um violinista perfeito que se torna um instrumentista imprevisível, e há quem afirme que, na tentativa de conscientizar o que era instintivo, acabou perdendo a perfeita espontaneidade. Adaptando-se a esta nova realidade Menuhim se dedica mais à música de câmera e à regência de orquestra, e começa a se interessar por outros tipos de expressão musical. Desde 1952, bem antes dos Beatles tornarem a coisa como um modismo, se interessa pela cultura indiana através do citarista Ravi Shankar e do professor de yoga Bellur Krishnamachar Sundararaja Iyengar, e na década seguinte passa a atuar com o violinista francês de Jazz Stéphane Grappelli. Neste período de ocaso como solista investe fortemente na educação musical fundando a Yehudi Menuhin School na Inglaterra, hoje em dia presidida por Daniel Barenboim. Yehudi Menuhim, que no final da vida tornou-se cidadão inglês, falecerá no ano de 1999 em Berlim.
Humildade e boas ações
Vou me ater a três passagens na vida de Menuhim que demonstram a grandeza de espírito deste músico que foi muito além de um instrumentista unicamente atento à sua carreira:
Yehudi Menuhim e Bela Bartók
O grande compositor húngaro Bela Bartók (1882-1945) emigrou para os Estados Unidos em 1939, fugindo da conturbada situação da Europa frente à Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos a leucemia que acometia Bartók se associou com o desprezo generalizado que o compositor encarou no continente americano. Chegou mesmo a passar fome. Admirador da obra do compositor húngaro Menuhim o procurou em 1944. O instrumentista era jovem, tinha apenas 28 anos de idade, mas confessou à sua família que não achava justo ele próprio ter caches altíssimos enquanto um gênio passava fome. Do próprio bolso pagou uma soma considerável para que Bartók escrevesse para ele uma Sonata para violino desacompanhado. Não só colaborou para a subsistência do compositor e sua esposa como deu destaque à Sonata em um recital no Carnegie Hall, uma das poucas ocasiões felizes nos últimos anos da vida do compositor.
Yehudi Menuhim e Wilhelm Furtwängler
O maestro alemão Wilhelm Furtwängler (1886-1954) permaneceu atuante frente à Filarmônica de Berlim durante o regime nazista. Isso lhe valeu inúmeras acusações de ter sido um colaborador de Hitler e que deveria enfrentar um tribunal internacional. Yehudi Menuhim, que era judeu, mas que sempre demostrou um comportamento crítico frente à ocupação israelense dos territórios palestinos, resolveu defender abertamente o maestro alemão abrindo mão de qualquer tipo de cache para atuar junto ao maestro quando todos o condenavam. Menuhim via que Furtwängler permaneceu na Alemanha nazista por amor à música e não para dar suporte a um partido político. As apresentações conjuntas do violinista com o maestro começaram em 1947 em Berlim, tendo se repetido em Salzburg, Viena e Lucerna até 1953. Executaram juntos os concertos de Beethoven, Bartók, Mendelssohn e Brahms. As gravações que realizaram mostram o ponto mais alto de Menuhim como violinista.
Yehudi Menuhim e Glenn Gould
Em 1965 Yehudi Menuhim procurava compreender uma das últimas composições de Arnold Schoenberg (1874-1951), a Fantasia para violino e piano opus 47. Com muita humildade foi até o Canadá e procurou um dos mais renomados intérpretes de Schoenberg naquela época, o pianista canadense Glenn Gould (1932-1982). A conversa entre os dois, documentada em vídeo, é uma das mais admiráveis trocas de ideias entre dois grandes artistas. Mesmo com visões conflitantes a execução da obra pelos dois é magnífica. O nível da conversa é de altíssimo nível, e vemos até que ponto a curiosidade de Menuhim, já um nome consagrado, o levava à descoberta de novos repertórios.
Legado
Além de ter encomendado a Sonata para violino desacompanhado de Bela Bartók e de ter atuado de maneira forte em termos de ensino interação cultural (Ravi Shankar e Stéphani Grapelli) Menuhim legou algumas gravações que permanecem como referências até hoje. As gravações que realizou ainda como adolescente em 1932 e 1933 junto a Georges Enescu mostram um impecável instrumentista. Destaque para a Sinfonia Espanhola de Éduard Lalo que ele gravou em Paris em junho de 1933. Todas as gravações que realizou com Furtwängler são soberbas sobretudo o Concerto de Beethoven gravado em Lucerna em 1947. Como maestro o grande destaque é a integral das Sinfonias de Paris de Joseph Haydn que ele gravou com a Orquestra do Festival Menuhim (Bath) entre 1971 e 1973.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica