MISSA DE REQUIEM E A FORÇA LITERO-MUSICAL DE VERDI. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA EXCLUSIVA PARA O BLOG DE ÓPERA E BALLET.




     Exatamente a 22 de maio de 1873 falecia uma das maiores glórias da Itália: Alessandro Manzoni, poeta e autor do famoso romance "I Promessi Sposi" (Os Noivos). A 3 de junho daquele ano, Giuseppe Verdi visitou o túmulo de Manzoni. Perante a campal, solitário e anônimo, jurou erguer à memória do mestre idolatrado uma monumental obra coral-sinfônica. Oficiou ao prefeito de Milão, oferecendo uma Missa de Requiem para o 1º aniversário de morte de Manzoni. 
      E foi assim que o "Libera me" do Requiem a Rossini, a quem Verdi pretendia homenagear em 1869, um ano após a morte, em Bologna, acabou por converter-se no capítulo conclusivo do Requiem a Manzoni. A estreia foi a 22 de maio de 1874, na igreja de San Marco, em Milão, regida pelo próprio G. Verdi, ao comando de uma orquestra de cem instrumentistas e um coro de cento e vinte vozes. Os solistas; o soprano Teresa Stolz, Maria Waldemann (mezzo soprano); Giuseppe Capponi (tenor) e Ormondo Maini (baixo). Seguiram-se três récitas no Teatro Alla Scala de Milão. O Requiem de Verdi, solidário com os ideais éticos de Manzoni, representa o equivalente musical da força literária do mestre. 
       Na versão que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro nos ofereceu a 30 de abril às 16h00 em única apresentação, demonstrou um notável trabalho do maestro do Coro do Teatro Municipal (Jesus de Figueiredo), através do qual exibiu momentos de eloquência sonora e harmônica como também de elaborada dinâmica na apocalíptica fúria do "Dies Irae", várias vezes repetida no decorrer da obra, ou no Introito; "Requiem aeternam" enquanto as vozes declamam o texto sacro "sotto voce", em frases quebradas; sutilmente e variadamente entoados novamente pelo soprano e o coro "a cappella", onde pousa a solista num inefável si bemol (in altissimo) sobre as vozes do coro (Absolvição), e na fanfarra de trompetes e o grito "Sanctus" abrindo uma fuga em jubiloso rítmo, para duplo coro.
         Jacques Delacôte preparou a orquestra com experiência e competência adquiridas ao longo de sua carreira, mas os violoncelos desafinaram e se desencontraram em várias passagens importantes. Bonito solo de oboé repetindo a melodia do Ingemisco,  desta estupenda obra-prima de Verdi. Exigiu bastante do coro sendo correspondido. 
          Tal obra vocal, suntuosa e gigantesca, muito bem escrita pelo seu autor, entre 1873 e 1874, todavia requer quatro solistas com técnica vocal apurada,  registro adequado e grande sensibilidade artística e musical.  Aqui houve desequilíbrio na escolha dos cantores: preliminarmente o mezzo soprano Ana Lúcia Benedetti atendeu plenamente à tessitura vocal por ela enfrentada. Cantou ricos efeitos de dinâmica aliados à beleza de seu timbre em Liber scriptus proferetur, e em Lux aeterna, onde ela declama o início do texto, sobre acompanhamento tremolando das cordas, no registro agudo. O tenor Paulo Mandarino é leggero demais para esta partitura; bem no "Hostias et preces tibi", contudo nem mesmo no Ingemisco, o famoso solo de tenor de frases de impar beleza lírica, conseguiu alçar vôo. 
           O baixo barítono Carlos Eduardo Marcos  realmente não possui o registro apropriado para enfrentar esta bela partitura. Absolutamente não convenceu. Ao soprano lírico spinto Daniella Carvalho  há muito a registrar.   Voz de timbre escuro e belo, acaba de representar "Adriana Lecouvreur" no Theatro São Pedro em São Paulo, talvez hoje, não se encontrasse em seus melhores dias. Apesar de apresentar musicalidade em sua arte canora, quebrou nas notas mais esperadas: o lá bemol conclusivo do "hostias" e o si bemol do Libera me, além de outros deslizes no decorrer da obra.
            A Missa terminou. O Libera me é cantado ritualmente diante do esquife. Entra uma rápida fuga, Libera me, que atinge resplandescente climaax, concluindo numa coda pianissimo, as vozes murmurando a súplica: "Libera me, Domine, de morte aeterna..." no acorde de dó maior. Dois rolamentos de tímpanos, dois acordes profundos...E o resto é silêncio !

Escrito por Marco Antônio Seta, em 01 de Maio de 2016.
Jornalista Inscrito sob nº 61.909 MTB / SP  

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