A VOZ DE TATI HELENE. CRÍTICA DE FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Soprano vence, com larga vantagem, o desafio de viver a protagonista da ópera A Voz Humana, montada em São Paulo.
Se a maioria de nós, pobres mortais, é feita, segundo Shakespeare, “da matéria de que são feitos os sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono”, algumas pessoas – especialmente aquelas que enveredam pelas Artes – têm um componente a mais [uma graça, uma chama] que lhes confere o que costuma se chamar no meio artístico de star quality: carisma essencial para fascinar plateias com algo que vai além do talento: certo brilho pessoal.
A soprano paulistana Tati Helene é uma dessas artistas cujo fulgor vem cintilando com cada vez mais intensidade. Depois de participações no Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém (em 2012, como Salomé, na ópera homônima, e em 2013, como Senta, na ópera O Navio Fantasma), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (substituindo, às pressas, a diva Eliane Coelho como a protagonista de Médée, de Cherubini, em 2013), entre outros trabalhos, a cantora deu vida, em maio e junho, à angustiada protagonista da ópera A Voz Humana, encenada no Club Noir, em São Paulo.
A ópera em um ato de Francis Poulenc, com libreto do poeta, dramaturgo e cineasta Jean Cocteau, tem apenas uma personagem – Elle – e estreou em 1959, em Paris. A duração é curta (menos de uma hora), mas a voltagem dramática é alta. Nesta montagem, toda a ação – uma mulher ao telefone, conversando com seu ex-amante, à beira de um ataque de nervos – ocorre em um espaço fora do circuito lírico tradicional: o Club Noir, na famosa Rua Augusta, sala que tem a intenção de trazer a ópera para novos palcos (viva!).
Roberto Alvim responde por direção cênica, iluminação e cenografia, e alcança bons resultados em todas elas. Em um cubo preto, propõe soluções cênicas interessantes (que mantêm a plateia hipnotizada), ainda que com boa dose de minimalismo, com algumas projeções e um belo jogo de luz. Juliana Galdino optou por figurinos elegantemente sóbrios – seja para Elle, seja para os dois outros personagens sem nome que eventualmente cruzam a cena (Leandro Grance e Diego Machado).
A direção musical é de Emiliano Patarra, que faz uso da versão do próprio compositor para piano (tocado por Diego Salles) e consegue traduzir a sensualidade e a quase histeria das notas de Poulenc, fazendo da música interlocutora de tanta importância quanto a cantora.
Interpretando a mulher jovem e elegante (de acordo com a descrição de Cocteau que precede a partitura), Tati Helene enfrenta com galhardia os desafios que se impõem. As dificuldades cênicas (o palco quase nu, praticamente sem artifícios para se apoiar) e dramáticas (a oscilação emocional da personagem demanda controle sobre a atuação e inteligência interpretativa) são vencidas pela grande expressividade que a cantora (que tem formação em teatro, além de mestrado em performance) demonstra. Ela consegue transitar da (falsa) esperança às raias do desespero, da desilusão à excitação diante de um possível reencontro com o homem amado.
Além disso, a soprano mantém seu bonito e vigoroso timbre em uma linha de canto clara e firme, sem alternâncias de colocação da voz – dificuldade ainda mais intensa em uma partitura cheia de ariosos e recitativos ansiosos e fragmentados, que permanecem, em grande parte do tempo, na região média da voz, exigindo técnica vocal sólida, além de talento dramático. Tati Helene tem as duas características de sobra e vence em mais um trabalho, mostrando sua bela voz, seus atributos cênicos e um star quality que cada vez mais exige luz.
Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
Fotos: Gal Oppido
Fabiano Gonçalves viajou a convite da produção do espetáculo