AMANHÃ É OUTRO DIA : DANÇANDO PALAVRAS. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.




“A dança é a arte, a forma de existir, a forma de ser e de viver que possibilita , como nenhuma outra, essa entrega”, uma reflexão de Angel Vianna que caracteriza sua pulsão criativa, de toda uma vida, pelo ato criador coreográfico.

Assim, ela  já se destacava, em seus anos mineiros ao lado dopartner de vida e de arte Klauss Vianna, como  uma das integrantes da Geração Complemento que reunia gente de dança, teatro, literatura e artes plásticas,num envolvente fluxo  de experiências inventivas.

De Belo Horizonte, onde o casal Vianna deixou sua postura libertária por uma dança de olhar contemporâneo, Klauss e Angel seguem para Salvador desenvolvendo, ali, arrojados experimentos a caminho de um pensar coreográfico aberto a outras linguagens artísticas.

Chegando, finalmente , ao Rio em época controvertida dos anos iniciais da ditadura militar. Aqui , começaria sua trajetória de mais de meio século, revelando-se , de modo ímpar, num procedimento inédito de aproximação do teatro com o que se titulou, inicialmente, de preparação corporal do ator.

Este uso do corpo como forma de comunicação, seja na dança, seja no teatro ou no próprio comportamento cotidiano, fez de Angel uma ilustre continuadora das teses filosóficas desenvolvidas, então,  pelo escritor francês Roger Garaudy em torno da “dança como um modo de viver”.

E numa visível expertise , na concepção do dançar como um descortino das verdades interiores pelo uso quase laboratorial e de auto conhecimento corporal, tornando-se um signo comportamental e estético de seu trabalho.

E é a partir deste caminhar existencial/artístico de Angel identificando-se , de forma intimista, com a própria história do Rio de Janeiro que ela, afetivamente, adotou como sua cidade, que se desenvolveu o espetáculo/performance Amanhã é Outro Dia.

Com sensorial dramaturgia e direção de Norberto Presta capaz de inspirar, com ritmo e elegância, uma sólida pesquisa da voz e da fisicalidade. Em torno de uma protagonista mor e por um teatro de dança indicador de transcendência .

Aliado a uma eficaz aproveitamento do espaço cênico , tanto pela referencialidade  das luzes(Aurélio de Simoni), entre projeções documentais, como da tonalidade propícia do figurino (Renata Lamenza),além de uma  sensível trilha sonora autoral  do Duolhodágua ,com citações, inclusive, de temas do balé clássico.

Especialmente na simbólica troca de uma sapatilha pelos pés nus, como passagem do acadêmico ao moderno e nos movimentos circulares numa cadeira de rodas, é com a emotiva entrega da intérprete/personagem(Angel Vianna)  que a proposta assume , na despretensão de sua narrativa vocal e gestual, um caráter de exponencial mocidade, vigor  e beleza. 

Para um memorial  autobiográfico de tão longo e maduro percurso, pela sua intencionalidade de  significativa instauração , enfim, de uma “dança que já está no corpo”.

Wagner Correa de Araujo



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