MAIS UMA VEZ, UM "LAGO" TRANSBORDANTE NO MUNICIPAL. CRÍTICA DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Como diria o poeta Paul Verlaine, De la musique avant toute chose.

O Lago dos Cisnes é obra prima consumada, com música de altíssima qualidade de Tchailovsky (o Lago não seria o que é sem aquela música) e coreografia não original, convincente e coerente, de Petipa e Ivanov. Foi criado em 1877 no Bolshoi e levado em 1895 no Mariinsky. O Theatro Municipal do Rio de Janeiro o reapresenta em junho, comemorando os 80 anos de vida do Balé da casa.
Ao crítico não compete louvar a beleza de uma obra como o Lago, nem se perder em sinopses. Isto seria como louvar a Mona Lisa ou o Hamlet. Deve o crítico falar da versão, da coreografia modificada, da regência, da atuação dos bailarinos e do corpo de baile.
Isto posto, começamos por dizer que a versão ora apresentada é excelente. A coreografia, orientada por Ielena Pankova, é muito efetiva em suas adaptações e modificações, dramatizando os gestos, sem perder a beleza meramente plástica de arabesques, grands-jetés, piruetas.
A protagonista Cláudia Motta é uma virtuosística première étoile. O que se viu na emocionante movimentação de seus braços, mãos, cabeça, pés, tudo rigorosamente enquadrado no drama traduzido pela dança. Este é o balé clássico em seu ideal.
O bailarino Filipe Moreira, como de hábito, foi o que se pretende de um Príncipe noLago: elegância, contenção, pouca acrobacia, paixão amorosa. Um pouco de acrobacia, porém, não faz mal a ninguém e agrada ao público. Filipe soube dosar aberturas, entre-chats, jetés etc. Acreditamos que essa contenção compulsória de um Príncipe triste e melancólico não é um trunfo para o bailarino que o encarna.
Felizmente, não se omitiu a figura do Bobo, personagem fundamental na criação de contrastes no Lago. O bailarino Cícero Gomes se saiu bem na exótica personagem. Foi o mais aplaudido da noite, por dois motivos fundamentais: dança bem e recebe uma coreografia acrobática, fulgurante, festiva. O público adora isso.
O mago Rothbarth de Edifranc Alves foi efetivo, sinistro como em conto de fadas. Os demais, todos a contento, dando-se destaque à elegância e refinamento da rainha e aos participantes das cenas de conjunto.
A regência da Orquestra Sinfônica do TMRJ esteve a cargo de Javier Logioia Orbe, que soube maximizar o extremado e proposital romantismo da partitura e fazer acordes e andamentos servirem aos bailarinos, coincidindo com terminações, desenvolvimentos e ataques daqueles.
Por fim, o Balé do TMRJ, como sempre nesta obra, brilhou com entusiasmo pelo ar geral de melancolia, pela igualdade estilística de seus membros, pela beleza das filas em sua simetria de palco, não de régua. É inocente aquele que pretende a simetria boba e não teatral. Talvez no circo…
No final, alguns senões: não fica claro se Odile morreu ou foi salva, como muitos me perguntaram, e discursos muito longos: estão na moda…
Um Lago dos cisnes transbordante. O presidente da FTMRJ, João Guilherme Ripper, e seu diretor artístico, André Cardoso, estão de parabéns com o triunfo. O público lotou o teatro, como certamente o fará nas seis restantes récitas previstas. É o TMRJ um teatro de balé, ópera e concertos. Que o digam Nijinski, Caruso e Rubinstein…
Marcus Góes
Na foto (de Júlia Rónai): Cícero Gomes como o Bobo da Corte

Fonte: http://www.movimento.com/

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