A CRÍTICA E OS ARTISTAS. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET
Sempre houve entre artistas “performers”, críticos e os que abordam e comentam a atuação daqueles, polêmicas e argumentações das mais acesas, ácidas, acres, acirradas e acerbas. Desde que Schumann, na primeira metade do século XIX disse, falando de Meyerbeer, que não entendia porque algumas pessoas se admiravam ao poder ouvir dez trombones, oito trompetes e seis trompas a cinqüenta metros de distância, e desde que Edward Hanslick, maior crítico musical do século, afirmou que Wagner escrevia trechos literários em suas óperas que não eram nem em língua alemã, crítica, criticados e adeptos de uns e de outros se engalfinham em infindáveis argumentações. A mais comum dessas é um dizer “mas o Papa disse que ele é o maior” e o outro responder “mas o Obama falou que não é“.
Essas argumentações muitas vezes são até salutares para a arte, pois foi sempre salutar ver um Oscar Guanabarino acusando Villa-Lobos de falta de inspiração e competência e o índio de casaca ou seus admiradores dizendo o contrário, tudo na base do dois mais dois são quatro.
O famoso crítico Sergio Segalini, em sua conhecida revista Opera international, editada em Paris, ousou apelidar o célebre tenor Placido Domingo de Plamingo, ou seja, um tenor sem o si e sem o dó, chamando corajosamente a atenção para o fato de esse tenor ser “curto”, ou seja, não ser capaz de emitir os superagudos a não ser em gravações de laboratório.
Mesmo com Domingo sendo um cantor coberto de milhares de excelentes críticas em todo o mundo e apesar de ser chamado para cantar em todos os palcos famosos, Segalini usou seu espírito crítico e sapecou no híspano-mexicano o apelido fatal. “Será que Domingo é mesmo tudo que dizem dele críticos e jornais muitas vezes contratados pelos agentes do tenor?”, indagou-se Segalini. Tendo verificado que Domingo era o rei do abaixa tom e que nunca jamais encarara com facilidade os muitos superagudos das partituras que cantou, o crítico franco/italiano não vacilou.
No Brasil, a crítica algumas vezes soube ver a realidade, e até Caruso, Muzio, Gigli, Warren e muitos monstros sagrados da arte lírica, dos instrumentos, da dança, foram amargamente criticados.
Nunca alguém deve partir para raciocínios primários de amador tipo “fulano recebe muitas críticas favoráveis e é contratado por todos os teatros, portanto ele atua sempre bem e quem diz o contrário está errado.” Esse modo de pensar é de ignorância abecedária e conduz a uma penosa abdicação: abdica-se daquilo que mais precioso há na inteligência humana, que é o espírito crítico.
Recentemente o nosso grande Fernando Portari e seus amigos andaram falando maravilhas das atuações do tenor em grandes teatros da Europa. Portari atuou mesmo em grandes teatros (agora acaba de atuar na Scala, fato auspicioso mesmo que o tenha feito para substituir um colega doente). Se alguém se der ao trabalho de verificar o que haviam dito dele críticos italianos, verá com surpresa que muitos falavam bastante mal de Portari, acusando-o até de destoante figura em bom elenco.
Não existe nenhum artista “performer” digno só de elogios nem merecedor sempre de palavras amargas. Mas julgar que porque tem muitas críticas favoráveis e porque é sempre contratado para cantar em Madureira ou na Scala esse artista é imune a críticas menos favoráveis, ou que todo mundo é obrigado a prestigiá-lo e elogiá-lo, é de suma burrice, falta de visão do mundo artístico e obtusidade obscura e sem remédio. A crítica, a opinião e o gosto são livres e sem censura, mesmo nesta terra de oba oba e de críticos aceitando ingressos grátis e regabofes.
A conjugação do verbo “gostar” nessa área é a seguinte: eu gosto, tu não gostas, ele não tem nada com isso, nós damos palpites, vós dais opinião, eles que se conformem. Um útil conselho: no exercício da crítica, procurem sempre dar exemplos e exarar conceitos provenientes de sua própria opinião e não da opinião dos outros ou da maioria. Em suma, “de la liberté avant toute chose”, diria Verlaine. Indo além e ainda parodiando o poeta dos “violons de l"automne”, “de l"intelligence avant toute chose“ ...
QUAND SONNE L"HEURE / JE ME SOUVIENS DES JOURS ANCIENS / ET JE PLEURE – PAUL VERLAINE
MARCUS GÓES – SET 2010
Fonte : http://movimento.com/
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