CRÔNICAS OPERÍSTICAS - JOANA DE FLANDRES NO TEATRO ALFA/SP. CRÔNICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
A noite prometia, íamos assistir a uma ópera rara, Joana de Flandres de Carlos Gomes. Partitura esquecida em algum arquivo, a ópera não via uma montagem há uns 100 anos. Eu e meu amigo Edson Lima nos dirigimos ao Teatro Alfa de São Paulo, no horário de pico o trânsito se apresentava estranhamente tranqüilo. Tudo conspirava a favor naquela noite de julho de 2005. A estréia da ópera foi antecedida por um grande rega bofe, madames da alta sociedade se esbaldavam com petiscos e guloseimas. Roupas de gala, vestidos de noite acompanhados com jóias de valor inestimável e penteados que lembravam atrizes de cinema dos anos 50. Muitas faziam pose para os fotógrafos de plantão da revista Caras. Um grupo minoritário era entrevistado para um programa de televisão de gosto duvidoso. As pessoas falavam com eloqüência, tentavam se mostrar intelectuais da ópera.
O terceiro sinal estraga tudo, acabam os quitutes, o papo furado e começa a ópera... coisa chata, a conversa estava tão boa. As madames são obrigadas a se sentar e ficar quietinhas. Desligar o celular , que neurose! Joana de Flandres é cantada em português arcaico, as legendas ajudam, os solistas estão em estado de graça. Foi a última vez que vi o Paulo Szot , o barítono depois faturou um Tony nos EUA e nunca mais apareceu por estas bandas.
Fim do primeiro ato, as madames estão em chilique, muitas ainda nem tiraram uma fotinho se quer e nem foram lembradas para a entrevista. No maior estilo cara de pau fazem uma de papagaio de pirata, aparecer na televisão é um sonho, nem que seja de relance. As mais desesperadas atacam os petiscos e as guloseimas , guardam alguns em suas bolsas de marcas famosas. Precaução não faz mal a ninguém. Novamente o maldito sinal atrapalha tudo, o intervalo entre o primeiro e segundo ato passa rapidinho.
Quando entrei no mezanino caiu-me a cara no chão. Cadê o público que estava aqui! Não sobrou quase ninguém. As madames se mandaram, a princípio não entendi o porquê. Mas em breve tudo clareou. No segundo intervalo não tinha mais nada, os fotógrafos sumiram, a comida foi retirada e o interesse delas arrefeceu. Ficaram uns 30 gatos pingados , aqueles que gostam de ópera e não de mostrar sua roupa de marca comprada na última viajem a Europa.
Quem quer saber dessa tal de Joana de Flandres, ela morreu há nem sei quantos anos atrás e não perturba mais ninguém. O que importa é aparecer, ver e ser visto. Mostrar os brinquedinhos e as roupas novas , fazer inveja na amiga. Infelizmente para muitos a ópera é isso, uma chance de aparecer.
Ali Hassan Ayache
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