NESCHLING E O LUTO. ARTIGO DE RAFAEL FONSECA NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


O maestro John Neschling está na berlinda mais uma vez. Foi demitido da Diretoria Artística do Municipal de São Paulo, e fala-se em malversação de recursos públicos. Em paralelo ao clima de passar o país a limpo, entre denúncias e delações, o nome do grande maestro vem à baila novamente — isso depois de, em 2009, ser extirpado da OSESP, orquestra que fez ressurgir das cinzas, pelo antipático e não menos polêmico José Serra, à época Governador de São Paulo.
Quem me conhece bem sabe que sou péssimo em contabilidade e números, portanto não me atreveria aqui, neste espaço, a tratar dos valores mencionados, o que seria desvio, o que é justo pagar por este ou aquele artista. Tampouco sou especialista em políticas públicas ou gestão artística, então vou me abster de entrar no mérito das relações entre um diretor artístico de uma casa de óperas, um maestro e seus agentes, e tais agentes e os artistas contratados para tocar na casa de óperas dirigida pelo maestro. Me parece um caminho natural lidar com as parcerias naturais, aquelas com as quais já mantemos vínculos anteriores. Mas espero que haja, por parte do poder público, o devido aclaramento, sem cair no clima de fla-flu que domina a atmosfera verde-e-amarela atualmente…
O que posso, e vou fazer, é dar um testemunho pessoal:
Volto, na memória, ao dia 24 de maio de 2008, na Sala São Paulo. Mario Venzago, maestro suíço, rege a monumental Sétima Sinfonia de Anton Bruckner. Como regente convidado, Venzago dirigia o conjunto preparado e burilado artisticamente por Neschling, a Sinfônica do Estado de São Paulo, mais intimamente, a OSESP. Um espetáculo de concerto, uma orquestra para não se colocar defeitos. Dois dias depois, na mesma Sala São Paulo, a lenda viva Daniel Barenboim dirigia a também monumental Oitava de Bruckner, com sua Staatskapelle — Capela do Estado, ou, trocando em miúdos, Orquestra do Estado — de Berlim. Notem que estamos agora falando de um conjunto sinfônico que tem como concorrente direta a Filarmônica de Berlim e que, facilmente, pode figurar em qualquer lista que se faça das dez melhores orquestras do globo. E digo a vocês, sem pestanejar: a nossa OSESP não ficou nada, absolutamente nada, a dever à colega famosa, vinda de uma das cidades mais emblemáticas do mundo da música clássica e regida por Barenboim, um nome de primeiríssima grandeza no cenário internacional.
Outras inúmeras qualidades do trabalho de Neschling poderiam reforçar esse meu argumento, as turnês internacionais da orquestra — inclusive à Alemanha —, a construção da Sala São Paulo, mas deixo aqui minha profunda admiração pela sonoridade da orquestra, que em comparação imediata com uma orquestra legendária, cujas origens remontam à Corte de Frederico II da Prússia, deixou-me grande impressão.
Cortemos para 1 de junho de 2013. Quatro anos após o imbróglio com José Serra e uma demissão desonrosa, Neschling regia a Orquestra do Teatro Municipal, instituição que assumira pouco antes. A obra exigiria muito do conjunto sinfônico: a Primeira Sinfonia de Gustav Mahler e toda sua teia de filigranas minuciosas. Eu já conhecia a Sinfônica do Municipal de lá, e posso atestar que o que se ouviu naquela tarde era parte de um milagre. Claro que via-se que faltaria ao conjunto ainda um tempo para amadurecer a sonoridade e atingir o patamar da OSESP (a esta altura perdendo qualidade em mãos ineptas), mas se podia perceber a digital indelével de John Neschling, e a diferença que faz ter um grande músico a formatar o som de uma orquestra. O resto está nos anais da casa: uma consistente programação de óperas, balés e concertos, não só de fazer inveja a nós aqui do balneário carioca, como comparável aos melhores teatros de música, com produções de qualidade, e grandes nomes.
Se John Neschling tirou ou não tirou proveito, roubou ou não roubou, deixou roubar, isso eu não sei. Nem teria como saber. Prefiro acreditar que não, movido pela simpatia e profunda admiração que tenho, por ele, como artista. Mas quero lhes dizer que estou de luto. Sua demissão pode, e provavelmente vai, mergulhar o Municipal de São Paulo na mediocridade. Assim como na OSESP ele foi seguido por vaidades imensas de talento muito menor. Sua saída é, para mim, repito, um luto. E, se ele errou como o estão acusando, será um luto ainda maior.
Rafael Fonseca
Fonte: http://www.annaramalho.com.br/news/amigos-da-anna/rafael-fonseca/96686-neschling-e-o-luto.html
Foto , John Neschling, foto Internet.

Comentários

  1. Até que em mim um artigo sensato. Ele pode ter muitos defeitos, mas sua obra é inegável.

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  2. Crime "qualificado " não tem atenuante não.

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