BACH E SUAS VARIAÇÕES GOLDBERG: O TRIUNFO DA ARQUITETURA. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



O compositor Johann Sebastian Bach
A obra conhecida como Variações Goldberg de Bach comporta uma série de mistérios e enigmas e seu título original nos dá algumas pistas deles: “Ária com diversas transformações para cravo a dois manuais”. Composta por volta de 1740 a pedido de um nobre, o Conde Hermann-Karl von Keyserling (1697–1764), que adorava ouvir música ao cravo em suas noites de insônia. Seu cravista particular, Johann Gottlieb Goldberg, teria sido o primeiro a executar a obra, e a história o homenageou associando-o à composição, apesar de que o fato dele na época ter apenas 14 anos de idade faz com que muitos questionem a veracidade deste fato. Foi uma das raras obras de Bach a ser publicada durante sua vida e um dos poucos trabalhos que lhe renderam um bom pagamento.
A Ária
A base da obra é uma Ária escrita em forma binária. A primeira parte comporta uma frase de oito compassos em Sol Maior e uma frase de oito compassos em Ré maior. Esta primeira parte de 16 compassos deve ser tocada duas vezes. A segunda parte tem uma frase de oito compassos em mi menor e mais uma frase de oito compassos em Sol Maior, e também deve ser repetida. No total o texto tem 32 compassos, com 4 frases de 8 compassos. São muito raras as formas binárias tão simétricas como esta, sendo que em geral em Bach a primeira parte é muito mais curta do que a segunda. Esta ária tem todos os aspectos de duas danças: a sarabande e a chacona. Como o baixo da Ária é mantido em todas as variações a obra pode ser lida também como uma Passacaglia.
Manuscrito da Ária
Uma Ária 32 vezes ampliada
O fato da Ária ter 32 compassos e a obra ter 32 seções (Ária, 30 variações e a volta da Ária) faz com que notemos que a ideia de Bach é ampliar 32 vezes o tema a ser transformado. As evidências são claras pois a finalização de cada uma das 4 frases tem um equivalente na obra: ao final da oitava seção (variação 7) há o ritmo de uma giga, dança que Bach utiliza para concluir a maioria de suas suítes. Esta oitava seção se refere ao fim da primeira frase do Tema. A décima sexta seção (variação 15) é a primeira variação a não ser em Sol Maior: é em sol menor. Ora, a primeira seção da Ária (segunda frase) termina em outro tom, Ré Maior. Não só Bach termina num tom diferente esta sessão, mas a nota final é um ré agudo!!! Para deixar bem clara a divisão da obra em duas partes (como a ária original) ele faz a Variação 16 (que abre a segunda metade da obra) ser uma Abertura Francesa. A variação 23 (equivalente ao fim da terceira frase da ária) termina de forma bem conclusiva com claros movimentos contrários. A Ária termina exatamente com o mesmo intervalo do início. Daí a razão maior do compositor repetir a Ária no final. O fim é igual ao início. A segunda seção da Ária tem muito mais compassos em modo menor do que a primeira. Por isso a segunda parte da obra tem mais variações em menor. Quando observamos a Ária vemos que ela inicia com poucas notas mas vai se tornando cada vez mais complexa. As variações também cumprem este mesmo roteiro. No entanto este retrato ampliado possui mais riquezas inseridas, verdadeiros caminhos cruzados com uma complexidade crescente. Há uma série de cânons a cada três variações (3,6,9,12,15,18,21,24,27) e há uma série de variações que forma uma família de Prelúdios com cruzamento de mãos (1, 5, 8, 11,14, 17,20,23,26, 28 e 29). Outras pequenas séries: invenções (2,4,19), duas novas Árias lentas (13 e 25) e duas fugas (10 e 22). Enfim, cada uma das 30 variações cumpre uma função definida. Essa multiplicidade de leituras e o ineditismo desta ampliação fazem com que esta seja uma das mais originais obras de Bach.
Glenn Gould, o pianista canadense que tornou a obra mais conhecida
Uma obra esquecida por 200 anos
Como muitas obras escritas por Bach, as Variações Goldberg foram raramente tocadas até o século XX. Apesar de grandes pianistas terem eventualmente apresentado a obra na primeira metade do século XX (Arrau, Kempff) foi o canadense Glenn Gould (1932 – 1982) que tornou a obra mais conhecida, principalmente através de suas duas gravações da obra (1955 e 1982). Glenn Gould não respeitava as repetições e raros eram os artistas que o faziam. Daniel Barenboim e Rosalyn Tureck foram os primeiros pianistas modernos a executar a obra com todas as repetições previstas por Bach. Com o surgimento do CD e a ampliação da minutagem da mídia os artistas se viram livres para respeitar integralmente o texto original. Os cravistas embarcaram na fama que a obra obteve no piano, e artistas do nível de Pierre Hantaï e Mahan Esfahani nos fazem lembrar que a obra revela todas as suas belezas neste instrumento. Aliás este cravista iraniano, Mahan Esfahani, que gravou recentemente a obra, fez com que se reacendesse a questão sobre o instrumento mais adequado para se executar as Variações Goldberg. Mas mesmo admirando demais esta gravação não consigo deixar de lado as leituras instigantes de Igor Levit e András Schiff ao piano.
Osvaldo Colarusso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/

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