DEU NO THE NEW YORK TIMES: MAESTRO ENVOLVIDO EM ESCÂNDALO DE CORRUPÇÃO CONTRA-ATACA. ARTIGO DE SIMON ROMERO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

John Neschling Foto: Mauricio Lima / The New York Times

Por: The New York Time
06/12/2016 - 20h11min | Atualizada em 07/12/2016 - 11h40min

John Neschling se encontra enredado na crise ética que consome uma instituição brasileira atrás da outra, agora que um escândalo de corrupção chegou ao Theatro Municipal, marco cultural no centro de São Paulo, de onde é diretor artístico desde 2013

Antes de assumir a casa de ópera da cidade, John Neschling levou sua batuta de maestro para apresentações europeias, de Lisboa a Viena. Ressuscitou a Orquestra Sinfônica de São Paulo, mudando-a para uma imponente sala de concertos localizada em uma antiga estação de trem. E compôs trilhas sonoras de filmes como O Beijo da Mulher Aranha.
Filho único de imigrantes austríacos que fugiram para o Rio de Janeiro para escapar dos nazistas, Neschling, de 70 anos, emergiu como uma das maiores figuras contemporâneas da música clássica no Brasil, ganhando elogios por suas proezas como regente, mesmo com os críticos reprovando seu estilo dominante de gestão.
Mas, em uma reviravolta radical, Neschling se encontra enredado na crise ética que consome uma instituição brasileira atrás da outra, agora que um escândalo de corrupção chegou ao Theatro Municipal, marco cultural no centro de São Paulo, de onde é diretor artístico desde 2013.
As autoridades o demitiram em setembro, depois que administradores que desviaram milhões de dólares do teatro indicaram o envolvimento de Neschling em esquemas de enriquecimento ilícito. Na tentativa de salvar sua reputação, ele declarou guerra a seus inimigos, o que afeta a cena da música clássica no Brasil, onde arte e política há muito tempo se misturam.
"Estou sendo atacado por mentirosos e bandidos em uma caça às bruxas de baixo nível. Fico triste por ter que passar por essa situação humilhante na minha idade, depois de ter feito tanto por este país", disse Neschling em uma entrevista, argumentando ser vítima de uma campanha de difamação conduzida por infratores notórios que buscam clemência através da delação premiada.
Ao levar sua luta para o tribunal da opinião pública, Neschling, que não foi acusado de nenhum crime, questiona se a cruzada anticorrupção no Brasil não estaria envolvendo pessoas inocentes juntamente com as verdadeiras culpadas.
No caso de Neschling, dois administradores do Theatro Municipal, José Luiz Herencia e William Nacked, admitiram o desvio de aproximadamente US$ 3 milhões da casa de ópera, controlada pelo governo municipal de São Paulo.
Após o acordo de delação premiada, os dois alegaram que Neschling lucrou ilicitamente com a contratação de estrelas internacionais através de agentes que também o representam quando ele se apresenta no exterior, colocando o maestro na mira dos investigadores.
Além disso, seus acusadores alegaram que Neschling teve ganhos ilícitos ao organizar um projeto com La Fura dels Baus, um grupo de teatro de Barcelona, que nunca se materializou.
"O Ministério Público não tem a menor ideia sobre administração da ópera", disse Neschling, alegando ser um alvo fácil de tais acusações por causa de inveja em relação a seu sucesso.
"Existem centenas de exemplos na história de pessoas que foram atacadas por gente medíocre porque eram brilhantes", disse ele, comparando sua situação à campanha venenosa para tirar o compositor Gustav Mahler de seu cargo de maestro da Ópera Estatal de Viena, um século atrás.
Apoiadores de Neschling se apressaram em correr em sua defesa, lembrando que até agora ele nunca foi acusado de fazer nada ilegal em uma carreira de cinco décadas.
"Meu conhecimento pessoal me impossibilita acreditar que suas relações tenham o mínimo de ilegalidade ou desonestidade. Se ele está colaborando com seus próprios agentes, isto é perfeitamente normal no mundo da música", disse Yoram David, maestro israelense que já trabalhou com Neschling.
Porém, o próprio Neschling admite que sua personalidade abrasiva e agressiva nunca o ajudou muito antes de se ver enredado no turbilhão do escândalo do Theatro Municipal.
Como sobrinho-neto do compositor Arnold Schoenberg e do maestro Artur Bodanzky, ele nasceu em uma família envolvida com a música clássica. Aos 17 anos, trocou o Rio de Janeiro por Viena para estudar música e ali permaneceu por nove anos, vivendo grande parte do tempo na pobreza.
"Viena deixa qualquer um louco", disse uma vez a um entrevistador, descrevendo como mal conseguia sobreviver com uma bolsa de estudos apertada, suportando a solidão e se refugiando na psicanálise.
Ele voltou ao Brasil, compôs trilhas sonoras de filmes premiados, mas ainda ouvia o chamado da Europa. Retornou para conduzir o Opéra de Bordeaux, na França, o Teatro Nacional em Lisboa e o Teatro Massimo em Palermo, Itália. Em 1996, mudou-se para São Paulo e assumiu a tarefa de fazer ressurgir a moribunda Orquestra Sinfônica do Estado, a OSESP.
Neschling foi aplaudido por elevar a qualidade da orquestra e levá-la para uma sala de concertos moderna, em uma estação de trem cavernosa, reformada. Casou-se com Patrícia Melo, 54 anos, escritora cujo romance de 2003, Valsa Negra, descreve um maestro brasileiro obsessivo, divisionista, misantropo, que deixa a primeira esposa para se casar com uma mulher mais jovem.
Na orquestra, alguns dos músicos consideravam Neschling ditatorial. Ele se irritou com as críticas e brigou com um conselho que supervisionava um plano de sucessão. Chamou José Serra, então governador de São Paulo e que agora é ministro das Relações Exteriores do Brasil, de "menino mimado", antes que as autoridades o demitissem, em 2009.
"Veja, eu fiz o que prometi. Então a mediocridade brasileira, que nunca entrega nada, diz: 'Ah, bom, se é assim que ele faz, eu posso fazer também', mas não consegue", disse Neschling.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, deu outra chance a ele, nomeando-o diretor artístico da Theatro Municipal em 2013, com um salário anual de mais de US$ 500 mil. Neschling começou a melhorar o teatro, que foi projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo e concluído em 1911, misturando os estilos renascentista, barroco e art nouveau.
Com toda a delicadeza de um touro em uma loja de porcelana, comparou a restauração da casa de ópera a "colocar batom em um cadáver", mas elevou o perfil internacional do teatro, atraindo estrelas da ópera, como o barítono italiano Ambrogio Maestri e o tenor argentino Marcelo Álvarez.
No entanto, Neschling manteve sua capacidade de alienar aqueles à sua volta. Carlos Augusto Calil, ex-encarregado de supervisionar políticas culturais em São Paulo, comparou seu estilo de liderança intimidador a um "império do medo", argumentando que o maestro negligenciou planos que visavam usar o Theatro Municipal para melhorar o acesso à dança e a corais, e não apenas à ópera tradicional.
"Neschling assumiu com sua arrogância habitual, abraçando um conceito de ópera antiquado, do século passado. Agora ele quer posar de vítima de políticos, de traidores, daqueles que são medíocres, do país", disse Calil.
Neschling reflete sobre tais pontos de vista, contemplando como reagir à situação tumultuada de uma carreira ilustre.
"Em minh'alma habitam dois grupos de animais: num canto pastam carneiros e esvoaçam brancas pombas e noutro rosnam e esbravejam cães selvagens, loucos para destroçar o que quer que se lhes apareça no caminho", escreveu ele recentemente em um post no Facebook.
"Confesso que não sei o que fazer com os carneirinhos e as alvas pombas."
Por Simon Romero
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/espetaculos/noticia/2016/12/maestro-envolvido-em-escandalo-brasileiro-de-corrupcao-contra-ataca-8641616.html

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