FOSCA E OS EXCESSOS DE PODA E STRAUSSER. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
A ópera Fosca que Carlos Gomes (1836-1896) burilou com enorme carinho, é a partitura sob o ponto-de-vista estritamente musical, indubitavelmente a melhor produção do compositor. Mario de Andrade escreveu que "a Fosca representa, dentro da obra do campineiro, o talvez único momento em que ele pretendeu avançar acima de si mesmo, e avançar em arte além do ponto em que jazia a italianidade sonora do tempo". E Carlos Gomes sempre teve pela Fosca deferências particulares e é verdade que essa ópera inclui um jogo de motivos condutores planejados à maneira wagneriana (leitmotiv) e recebida com frieza no alla Scala de Milão, a 16 de fevereiro de 1873. Com libreto de Antonio Ghislanzoni, o mesmo da Aida, de G. Verdi, foi remodelada pelo autor, e fez carreira em outros teatros; novamente apresentada no alla Scala em 1878, desta vez com pleno agrado do público sendo a ópera mais cantada naquele ano; mais do que a Aída, que também figurava na temporada milanesa.
Baseada em "Le Feste delle Marie", de Luigi Capranica, tendo como pano de fundo um ataque de corsários a Veneza, mostra o dilema da protagonista, Fosca que, ao perceber que seu amor pelo capitão veneziano Paolo, seu refém na Ístria de 944 d. C. não é correspondido, por este estar noivo de Délia, comete suicídio, envenenando-se.
Pensar em Fosca remetemo-nos a duas divas brasileiras que jamais esqueceremos: Ida Miccolis (Fosca) e Agnes Ayres (Délia), ambas viveram nesta ópera as melhores performances entre 1966 e 1973 no Teatro Municipal de São Paulo. Contracenavam-se com Sergio Albertini ou Zaccaria Marques, Constanzo Mascitti e Mario Rinaudo, sob a batuta do maestro Armando Belardi, o maior e incansável divulgador da obra de Carlos Gomes.
Encerrando a presente temporada lírica estreou no Theatro Municipal de São Paulo na noite de 7 de dezembro o espetáculo com direção cênica de Stefano Poda, que assina também a cenografia, os figurinos, a coreografia e a iluminação. A execução cênica onde "performers", com familiaridade em Tai Chi Chuan e Yoga foram empregadas na figuração, ultrapassando os limites do suportável; apresentando um excesso de gestual dos bailarinos e figurantes, proporcionando a exaustão, cujo jogo cênico é antagônico com o que é representado através dos cantores. Estes, colocados atrás dos figurantes ou bailarinos, são preteridos na ação teatral. Os cenários neutros abusando das tonalidades de branco ou preto tornam-se repetitivos resultando em monotonia visual. Quanto aos figurinos atemporais, o de Fosca nada tem a ver com uma pirata; suntuosos e adequados os do coro.
O Coro Lírico Municipal justo e afinado obteve seus melhores momentos no Coro dos corsários "Dei due menti" e na inventiva "Di Venezia la vendetta", sob a direção de Bruno G. Facio.
Desde a abertura da ópera, página de bela escrita, o maestro Eduardo Strausser usou de sua tendência a apressar os andamentos, já notados por nós, quando de sua regência (La Bohème, maio de 2016). Numa partitura tão bem elaborada e de uma orquestração realmente exemplar do compositor patrício, imprimiu dinâmicas em fortíssimos na Orquestra Sinfônica Municipal faltando profundidade e amadurecimento interpretativo. Na última cena o violista Alexandre De León posicionado ao centro do palco por S. Poda, realizou sonoro e singelo solo.
Nadja Michael verdadeiro soprano dramático alemã, enfrentou a árdua tessitura da Fosca, entre os mais difíceis de Carlos Gomes . Voz de extensão e de um volume extraordinário, encontrou-se com alguma dificuldade nas notas mais agudas e claudicou na afinação. Da ária "Quale orribile peccato" esperava-se maior dramaticidade e a cena "Pazza!...pazza...è ver..." não impressionou, seguida após, pelo concertato final (Ato II) dos mais complexos já escritos por Carlos Gomes.
Cambro foi o barítono italiano atuante no Metropolitan de NY, no Covent Garden e na Opera de Viena, Marco Vratogna de voz bem timbrada e pujante em suas intervenções; interpretou muito bem "D'amore l'ebbrezze" e a canzone "Io vengo dai mondi".
Luiz - Ottavio Faria nas vestes do Gajolo, projetou-se bem, ainda que cercado pelos figurantes e coro em detrimento próprio. A strofe "Son capitano", de escrita musical pontuada e de difícil andamento rítmico, foi prejudicada por encontrar-se engaiolado; o que é um sacrilégio ao cantor digno de veneração.
O papel de Délia escrito para soprano lírico esteve a cargo do soprano leggero Lina Mendes. Como não poderia deixar de acontecer, ficou a desejar pois sua tessitura não preenche a escrita musical. Cenicamente portou-se bem ao lado do par amoroso, o tenor lírico spinto Thiago Arancam, o seu noivo Paolo, cujo melhor momento foi a romanza "Ah! Se tu sei fra gli angeli". Entretanto, imprimiu muita força em seu canto no dueto "Quando su te feroce..."com a Fosca. Completando o elenco Carlos Eduardo B. Marcos é muito medíocre como Michele Giotta e o baixo Murilo Neves como Doge di Venezia saiu-se a contento.
Escrito por Marco Antônio Seta, em 09 de dezembro de 2016.
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB - SP
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