A IMPORTÂNCIA DAS ORQUESTRAS E SUA MANUTENÇÃO. ARTIGO DE ANDRÉ EGG NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
O tema das orquestras e da música sinfônica tem sido uma constante nos meus escritos. Mas resolvei escrever este texto sobre a importância das orquestras e sua manutenção a partir de um texto do Augusto Maurer no blog Impromptu.
Augusto é meu amigo nas redes sociais, músico da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, até onde entendi, corpo estável ameaçado pela crise financeira que abate aquele estado meridional. Augusto escreveu sobre o argumento de que se deve acabar com a orquestra como medida de contenção de despesas públicas. O texto a que me refiro é o Para que servem orquestras? Porque sua existência deve ser garantida pelo estado?
Sobre a importância das orquestras
Orquestras importam, muito mesmo. Mas acho que isso é uma questão que precisa de uma certa elaboração, e precisa também de um certo fluxo de relevância. Não basta orquestras (e seus maestros, seus músicos, seu público costumeiro) acharem que serão perenes porque são culturalmente necessárias. No mundo de hoje equipamentos culturais com custo tão alto de manutenção precisam estar demonstrando sua relevância à sociedade de maneira mais ampla através de sua atuação.
Não dá pra descansar na relevância social que as orquestras construíram na Europa do século XIX ou nos EUA do século XX. Aquele mundo já ficou pra trás. Se orquestras continuam relevantes hoje é uma questão a se refletir. Precisa-se construir essa relevância com novos argumentos e, principalmente, atuações convincentes. Não apenas uma execução musical convincente de certas obras – mas uma programação geral que possa ser considerada relevante por seus financiadores (no caso das orquestras públicas, os pagadores de impostos).
Sobre essas questões, vejam um pouco mais neste ótimo texto do Jorge Santos no Medium. É sempre bom lembrar que existe um hiato entre orquestra e o grande público, ou o eleitor comum. Se a orquestra é algo tão distante da realidade local (regional, municipal ou estadual), como convencer os eleitores de que vale a pena mantê-las com recursos públicos?
Financiamento público ou privado?
Outro ponto no texto do Augusto Maurer é o argumento de que, dada a importância estratégica de uma orquestra sinfônica para a cultura, esses agrupamentos devem ser financiados pelo Estado. O principal ponto da argumentação aqui é que só seria possível desenvolver relevância cultural sem a pressão de ser lucrativa ou auto sustentável.
Sobre isso, há que se considerar que existem pelo menos dois modelos muito diferentes de financiamento. Na Europa talvez seja mais comum vermos o financiamento público para manutenção de orquestras e outros diversos equipamentos culturais. Enquanto nos EUA orquestras de alto nível também são mantidas em caráter associativo – as chamadas filarmônicas.
Em ambos os casos, financiamento público ou manutenção em formato associativo, as orquestras lidam com o mesmo problema: tornarem-se relevantes para seus financiadores – sejam os pagadores de impostos, compradores de ingressos ou assinaturas de temporada e/ou patrocinadores privados.
A importância das orquestras para a cultura europeia
Na Europa é mais ou menos consensual que se devem manter orquestras sinfônicas. O repertório que as orquestras tocam é grosso modo música europeia do século XIX. Um pouco de século XVIII e de século XX pra dar certa variedade. É uma questão estratégica, de sobrevivência cultural.
Os EUA, nos últimos 100 anos, estiveram razoavelmente convencidos de que precisavam se atualizar em relação à cultura europeia. De que precisavam manter um bastião de cultura europeia transoceânica. De que poderiam e/ou deveriam até mesmo concorrer com as nações europeias para a liderança das formas culturais europeias tradicionais.
Tiveram sucesso nisso, não há dúvida. Mas no caso do Brasil – chegamos a algum consenso público de que devemos nos atualizar com a cultura europeia? Temos ganas de alguma liderança geopolítica ou cultural? Queremos ser relevantes internacionalmente? Em certo momento estas questões estiveram em pauta, junto com o projeto de desenvolver uma música clássica nacional. Chamamos este período, concentrado nas décadas de 1930 a 1960, de modernismo.
Mas talvez essa ideia não tenha se tornado tão consensual. E se podemos dizer que o modernismo conseguiu formar um corpo de compositores sinfônicos relevantes (Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Guerra Peixe, Claudio Santoro, Edino Krieger) – também é evidente que a constituição de orquestras de alto nível no país foi um fracasso colossal. Grosso modo, tivemos a OSB, fundada em 1941. No mais – experiências episódicas e fracassadas em maior ou menor grau.
Só mais recentemente, nos períodos FHC – Lula – Dilma chegamos a estabelecer um número mais significativo de conjuntos orquestrais perenes e geograficamente disseminados. Mas, ainda dependo mais da presença de governantes ilustrados (figura agora em extinção) do que de amplos consensos públicos.
Orquestras, democracia e elitismo
No caso das poucas orquestras brasileiras, continuamos sofrendo de um problema crônico. São grupos que não desenvolvem trabalho contínuo nem conseguem ampliar sua relevância para além de suas salas de concerto hermeticamente fechadas para a sociedade brasileira.
Casos de sinfônicas na favela, ou de orquestras que editam as próprias partituras e mantêm escolas de formação de músicos e regentes seguem sendo exceção. A regra geral é orquestras que tocam o que acham que devem tocar e imaginam que todos devam desejar se deslocar aos teatros para ouvir aquilo. Seguimos não desenvolvendo relevância social ou geográfica de maior amplitude, exceção talvez para o programa de orquestras jovens da Bahia.
Ou seja, orquestras, no Brasil, seguem sendo um negócio elitista, ancorado na cultura europeia do século XIX. Imagina-se que sua relevância para o Brasil seja um dado sem necessidade de demonstração. É chique ter orquestra, ponto. Quem não gosta de orquestra é burro, ponto.
Qualquer esforço maior do que repetir as últimas duas frases é pedir demais. Orquestras em programas de difusão junto com o sistema educacional? Dá muito trabalho. Orquestras e meios de comunicação? Muito humilhante. Orquestras em diálogo com a cultura nacional? Seria descer o nível – já temos Mozart e Beethoven, não precisamos nada brasileiro para sermos cultos. Formação de plateia? Que preguiça.
Curiosamente, o mesmo Augusto Maurer que defende a necessidade de orquestras com financiamento público (uma política pública altamente elitista) também acha que devemos extinguir a democracia representativa, os legislativos e os partidos, para estabelecer governo direto pela internet com decisões plebicitárias. Como neste post: Políticos demais (iii): anotações para uma reforma política
Sempre que leio este tipo de post dele sobre política tenho vontade de perguntar: “meu filho, o que você acha que aconteceria se fizéssemos um plebiscito pela internet para decidir se devemos ou não manter orquestras com verba pública?” Ironicamente, a OSPA e a Oficina de Música de Curitiba, bem como a programação do Teatro Municipal de São Paulo, estão entre as muitas vítimas a ascensão do populismo anti elitista que derruba governo no Brasil, elege Sartori, Greca e Dória, ou Trump e Teresa May.
Sobre elites e suas instituições culturais
Ao contrário do que possa parecer numa leitura mais apressada, democracia não é a decisão por maioria. Mas um frágil equilíbrio entre decisões por sufrágio, manutenção de regras claras, instituições e equipes técnicas de elite, representatividade, defesa de minorias e uma série de outros fatores de uma frágil ecologia.
Sim, eu concordo com o Augusto Maurer que precisamos manter orquestras públicas. Mas discordo muito da maneira como ele situa tudo isso num contexto político mais amplo. Vivemos um difícil equilíbrio político institucional. Arrasar a civilização pode custar o simples apertar de um botão. Manter a tradição cultural requer enorme dispêndio de tempo, trabalho e dinheiro. (Repito a frase tantas vezes dita pelo professor Paulo Castagna numa oficina sobre acervos musicais na ANPPOM).
Convencer a população em geral de que vale a pena o esforço de manter essas tradições culturais é um trabalho contínuo. Mais fácil de ser feito quando estamos gerando prosperidade e distribuindo isso de maneira mais ou menos equilibrada. Caso contrário, as elites correm o risco de ver suas cabeças decepadas – ou perderem suas significativas instituições culturais.
André Egg
Fonte: http://andreegg.org/2017/01/24/a-importancia-das-orquestras-e-sua-manutencao/
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