BURRICE OU CANALHADA? A LIQUIDAÇÃO SISTEMÁTICA DOS CORPOS ESTÁVEIS DO THEATRO SÃO PEDRO. ARTIGO DE SERGIO CASOY NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


Regresso neste instante de mais uma magnífica apresentação da Orquestra do Theatro São Pedro, hoje regida pelo maestro Pedro Messias, espetáculo de inauguração da temporada de 2017, que além de uma excelente leitura da Rhapsody in Blue de Gershwin com destaque para o piano de Renan Branco, apresentou dois concertos curtos, desconhecidos do grande público, o Concerto para fagote de André Jolivet e o Concerto para Clarinete e Orquestra de Jean Françaix, nos quais os solistas - respectivamente Altair Brás Venâncio e Daniel Oliveira - são membros da própria Orquestra do Theatro.

Mas a alegria de ouvir a boa música gerada pela costumeira alta qualidade da ORTHESP foi completamente anuviada pelas (péssimas) notícias que circulavam pela sala, e que dizem respeito ao triste futuro que, se confirmadas, aguarda os corpos estáveis do Theatro São Pedro, prestes a ser atingidos por perigosa instabilidade.
Foi publicado hoje o edital para a licitação das Organizações Sociais (OS) que desejem gerir o Theatro a partir de abril, quando essa função deixa de ser exercida pelo Instituto Pensarte. E aí ficamos sabendo que os 26 milhões originalmente destinados ao São Pedro no ano passado, num passe de mágica, viraram....12 milhões. Culpada, a crise, porque com a crise, falta dinheiro, o que não parece efetivamente ser o caso já que, em 29 de dezembro último, a imprensa tenha divulgado que o Estado de São Paulo apresentava um superávit de 1,5 bilhão. (http://www.em.com.br/…/fazenda-sp-estado-tera-superavit-pri…)
Sem entrar no mérito da questão, falta de dinheiro até dá para entender. O que realmente não consigo compreender, e espero que algum iluminado me explique é como a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que deve dispor em seu quadro de prestidigitadores extraordinários, conseguiu, num passe de mágica, fazer desaparecer candidamente a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. A Banda, que não foi extinta e portanto dever estar viva, simplesmente não consta da licitação. Para efeitos práticos, sumiu, ninguém sabe, ninguém viu. À socapa, à sorrelfa, como se diria no século XIX.
Esta notícia, por si só, já seria motivo de sobra para que eu voltasse para casa triste e indignado. Mas minha tristeza - e muito mais a indignação - cresceu exponencialmente quando ouvi que membros da insigne Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, capitaneada que é pelo secretário José Roberto Sadek, pretendem obter uma redução de custos nos orçamentos dos dois corpos estáveis restantes, a saber a Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo e a Orquestra do Theatro São Pedro através de um expediente que seria risível se não acarretasse trágicas consequências neste ano em que se comemora o primeiro centenário do Theatro.
Pois é: algum gênio da Secretaria, examinando as duas instituições e concluindo, pela sua denominação e pela sua formação que ambas são orquestras, resolveu expulsar parte dos músicos de cada uma delas, juntar as sobras e assim, criar uma nova e flamante orquestra que se apresentaria nos espetáculos de ambos os tipos. Difícil mesmo deverá ser batizar essa união de mutilados. Aqui vão algumas sugestões: Orquestra jazz-ópera, Orquestra multi-função, ou, a melhor de todas, Orquestra Pau-pra-toda-obra.
Claro, jaca e abacaxi são duas frutas, mas não conseguimos enxertá-las e nem mesmo juntá-las com sucesso sequer numa salada de frutas, Tampouco posso pegar meio time de voleibol, juntar com meio time de basquete e colocá-los para jogar futebol. Essas assertivas são fáceis de compreender. Assim como deveria ser óbvio, para os tomadores de decisão da Secretaria de Cultura do maior estado da federação, que os músicos de cada uma das orquestras vem de ambientes músico-culturais muito diferentes, a formação de cada um deles é peculiar, ou, em palavras mais simples, a ópera, função maior da ORTHESP, tem requisitos e especificidades que não passam pelo repertório da Jazz Sinfônica, e vice-versa.
Das duas uma: ou tal proposta é burrice - e assim espero que seja, porque para remediá-la basta fazer a lição de casa, compreender a barbaridade da proposta e atirá-la na lata do lixo - ou é canalhada, e aí é preocupante, porque ainda não inventaram vacina contra a crueldade gratuita que se empenha a destruir numa penada aquilo que levou anos de dedicação e carinho para ser construído.
Se a proposta de desmonte das orquestras vier a ser concluída, isso se configurará numa perda lamentável para a cultura paulista, deixando em seu lugar um travo amargo de desilusão. Eu, que sempre fui eleitor do PSDB no nosso estado, ficaria profundamente envergonhado com meu voto, e teria de repensá-lo nas próximas eleições.
Sérgio Casoy

Comentários

  1. Sergio Casoy acertou o alvo em cheio. Tomara que as autoridades que tomam decisões sobre esse assunto leiam o texto, reflitam sobre ele e ajam no sentido de corrigir o absurdo proposto. Afinal, o Theatro São Pedro tem trajetória de um século e isso para o Brasil é uma grande coisa. Ainda estou curioso para saber o que foi feito com os 14 milhões que sumiram. Sumiram? Que sejam revistadas cuecas, meias, bolsos e bolsas. "Nessun dorma" até que a grana apareça...
    Tarciso Filgueiras

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