A MORTE DE UM VERDADEIRO IDEALISTA: SÍGRIDO LEVENTAL (1941-2017). ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



Sígrido Levental, em sua “estratégica” escrivaninha
O pianista e professor Sígrido Levental, que faleceu em São Paulo no último domingo aos 75 anos de idade, foi um dos poucos idealistas verdadeiros que tive a oportunidade de conhecer. Pessoa de trato pessoal difícil, tinha a capacidade de aglutinar em torno de si verdadeiros seguidores da sua causa maior: a formação musical. A concretização deste ideal se deu principalmente através da fundação de uma das melhores escolas de música que o Brasil já teve: o Conservatório musical Brooklin Paulista. Lecionei nesta escola por mais de 8 anos, na época em que a instituição ficava na Rua Álavaro Rodrigues no Brooklin Paulista, bairro da zona sul da capital paulista. A escola, que ainda tem seu nome utilizado por uma instituição bem diferente, mudou de endereço, mas sobretudo mudou de gestor e seu credo maior:a importância da música na vida das pessoas. Apesar de sua origem judaica a sua verdadeira religião era a música.
Num imóvel tão simples uma das melhores escolas de musica do país
Uma escola despojada e grandiosa
Na época em que lecionei no Conservatório musical Brooklin Paulista as instalações eram muito simples. Um imóvel que ocupava a parte superior de diversos estabelecimentos comerciais tinha 6 salas de aula, sendo uma maior, usada como auditório. Nenhum piano de cauda, mas todos os 5 pianos de armário perfeitamente afinados, salas extremamente limpas e todo material de apoio oferecido prontamente. Ganhávamos mal (quando recebíamos…) mas todos os professores eram absolutamente assíduos e só tínhamos hora de chegar pois a hora de ir embora era sempre uma incógnita. A crença maior de Sígrido era de que a música era algo a ser praticada e por isso insistia em que semanalmente alunos e professores se apresentassem em audições que chegavam a durar mais de duas horas, com o auditório “explodindo” de gente. Sem nunca ter recebido um tostão do poder público (talvez isso explique o êxito ideológico da empreitada) a escola, ao contrário de muitas instituições oficiais, oferecia cursos de quase todos os instrumentos orquestrais (violino, violoncelo, flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba e percussão) além de cursos de alto nível de violão e piano. Sígrido Levental, que tinha uma excelente formação musical, supervisionava tudo o que era feito na escola. Lembro de pedir para que eu levasse até ele as harmonizações feitas por alunos em minhas aulas, e dava “puxões de orelha” quando um aluno demonstrava desleixo. Deficiente físico, ele observava tudo de sua escrivaninha que era estrategicamente colocada para tudo observar.
As audições de alunos do Conservatório: prática incessante
Uma editora dos sonhos
No início da década de 1980 Sígrido Levental resolveu expandir seus ideais musicais para outra área além da escola: uma editora que divulgasse a produção musical brasileira. Criou a “Novas metas”, um verdadeiro oásis editorial que não tinha como objetivo maior o lucro. Partituras e livros, que, apesar de serem difíceis de achar hoje em dia, são verdadeiras referências. Alguns poucos títulos que atestam a altíssima qualidade do que essa editora realizou: “O Som Pianístico de Claude Debussy” de José Eduardo Martins, “Garimpo Musical” de Régis Duprat, “Estética” de Koellreutter, “O Caminho para a Música Nova” de Anton Webern em tradução de Carlos Kater, “Percussão, visão de um brasileiro” de Cláudio Stephan, entre outras publicações. E por falar em percussão foi no Conservatório musical Brooklin Paulista que surgiu o primeiro Grupo de percussão do país que era dirigido pelo grande timpanista Cláudio Stephan. Sim, Sígrido Levental fez história. Mas quase me esqueço: a “Novas metas” editou além de livros importantes partituras de compositores brasileiros que não encontrariam quem publicasse suas obras como Sérgio de Vasconcelos Corrêa, Carlos Karter, Aylton Escobar e Mário Ficarelli. Idealismo puro!
Exemplo do alto nível da Editora “Novas Metas”
O fim de um sonho
Minha impressão é de que pelas inúmeras bolsas de estudo que Sígrido Levental oferecia aos menos favorecidos e seu investimento a “fundo perdido” na editora é que levaram, depois de mais de 20 anos, a empreitada para seu fim. Mergulhado em dívidas e com sérios problemas de saúde Sígrido abandonou tanto a escola (que vendeu) como a editora (que faliu). Deste idealista permanece a lembrança de uma instituição de ensino musical absolutamente exemplar, e que me orgulho de ter feito parte antes de me transferir para Curitiba. Muitos músicos que hoje ocupam posições de destaque no país e no mundo atuaram como mestres ou alunos no Conservatório musical Brooklin Paulista. Fica para mim a sensação de gratidão e a certeza de que naqueles anos em que trabalhei com Sígrido Levental tive contato com um verdadeiro idealista. Era profissionalmente feliz e sabia disso.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/

Comentários

  1. A memória do grande professor Sígrido Levental tem de ser honrada e celebrada, e é com muita alegria que lemos o que colegas têm publicado sobre ele, palavras de quem soube admirar e, certamente, aprender de um grande homem. Mas Osvaldo Colarusso cometeu um erro ao mencionar com menosprezo a escola que ainda leva, com orgulho, o nome de Conservatório Musical Brooklin Paulista.
    É evidente que nunca pretendemos nos altear à obra de Sígrido Levental, que só um homem como ele, em seu contexto e época, poderia levar a cabo. Mas temos a honra de, a pedido de Sígrido, ter prosseguido a escola – sanando suas inúmeras insolvências com nossos poucos recursos, mas com muita cara e coragem –, tendo sido na nossa gestão que se realizaram mais de vinte cursos internacionais sobre o Método Kodály, mais de quinze de Rítmica de Dalcroze (com o apoio inicial da Fundação Vitae e da Pro Helvetia), pedagogias celebradas em todo o mundo; e em âmbito nacional uma série de oficinas de práticas pedagógicas inovadoras a partir das quais reunimos brilhantes profissionais no primeiro curso de pós-graduação em Educação Musical brasileira. Portanto, se não podemos nos ombrear – e quem poderia? – com os feitos de Sígrido Levental, estamos seguindo seu exemplo e portando o nome do Conservatório com dignidade, e não vivendo de glórias alheias ou de quizílias provincianas.

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