JENUFA: ENTRE A ASPEREZA E O LIRISMO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

FOTOS/JULIA RÓNAI

Foi desde a estreia da peça original de Gabriela Preissová na Praga de  1890, que Janácek foi impulsionado à composição daquela que seria sua mais famosa e popular ópera – Jenufa.

Que sobe à cena , sem nenhuma repercussão, em 1904, seguindo-se Praga em 1916 e, finalmente, com maior reconhecimento , na Ópera de Viena (1918). Mas sua consagração definitiva só viria nos pós anos da Segunda Guerra Mundial.

Revelando-se , enfim, a importância de uma criação operística , inovadora e referencial em vários de seus elementos composicionais. Onde sua corajosa abordagem temática da condição feminina oprimida a aproxima  , com sua nuance verista, da dramaturgia de Ibsen.

Ou , esteticamente, na presença de um sutil sotaque wagneriano, tanto na sua estruturação musical como na elaboração autoral de seu libreto. Aspectos que convivem com seu fundamental papel de autonomia artística para a ópera nacional tcheca, iniciada com Dvorak e Smetana.

Jenufa ( soprano Gabriella Pace) constrói sua trama narrativa em torno do preconceito assassino da matriarca/sacristã ( soprano Eliane Coelho) por uma gravidez pré-marital , paralela à indiferença e desprezo  do futuro pai Steva( Ivan Jorgensen) e à grotesca desfiguração facial da personagem titular pelo ciúme do pretenso amante Laca ( Eric Herrero).

Com seu libreto de perceptível progressão dramática é uma ópera que exige um veemente dimensionamento psicológico em sua performance , já que seu mote é a passionalidade de um amor obsessivo e a visceral resistência à violação do arraigado convencionalismo moral.

Aqui, numa co-produção original da  Buenos Aires Lírica e Cia. Ópera Livre,  no Theatro Municipal/RJ,  os cantores, tendo que se sustentar rigorosamente como atores , alcançam na artesanal conduta direcional de André Heller-Lopes o necessário rendimento dramático/musical de uma ópera dentro de uma peça teatral, como a Salomé (Oscar Wilde>R.Strauss) ou Pelléas et Mélisande (M. Maeterlinck>Debussy).

Emoldurada por uma orquestra(OSTM) conduzida por Marcelo de Jesus, com acurado equilíbrio entre a intensidade  de acordes nervosos ( às vezes soando alto demais com prejuízo das projeções vocais ) e  das alternâncias líricas. Com incidentais  recortes folclóricos nos propícios cantos corais (Jésus Figueiredo) e danças regionalizadas (João Wlamir).

A armação cenográfica (Daniela Taiana) usa da mobilidade de treliças de madeira decoradas com temas florais para sugestionar a ambientação de paisagem rural, moinho e interiores, com uma indumentária (Sofia Di Nunzio), mix anos 30/camponesa. Ressaltada num desenho luminar( Fabio Retti), ora vazado ora  sombrio.

Na extensiva  competência desta montagem,  pela organicidade de um elenco de doze intérpretes, ao lado de elementos do Coro do TM, destacam-se no domínio cênico/musical,  pelo presencial físico e no trânsito por expressiva e naturalista verdade :

O fraseado engenhoso da soprano Gabriella Pace, potencializado entre a quase ingenuidade juvenil do primeiro ato aos solos lamuriosos do desespero materno (“Meu coração sente como se estivesse sendo esmagado por uma pedra”) com a do abandono e a reconciliação amorosa da última cena.

A riqueza dos timbres do tenor Eric Herrero, numa vocalização de belo alcance e até mesmo de demasiado lirismo para a personificação da “vendetta “ agressiva, mas justificada na envolvência emotiva do redentor dueto final com Gabriella Pace.

Mas, sem qualquer dúvida, o fio condutor de alta envergadura musical, maturidade vocal e exercício pleno do talento de cantora e atriz, é o transcendente desempenho, com sangue e alma, da soprano Eliane Coelho, resultando na exaltada adesão e cumplicidade da plateia com Jenufa ,  em uma irresistível  “noite na ópera” 

                                               Wagner Corrêa de Araújo

JENUFA está em cartaz no Theatro Municipal /Centro/RJ, terça 4 e sexta 7 , às 20h;domingo, 02 e 09 de abril, às 17hs.

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