ENSINO DE MÚSICA NAS ESCOLAS: CARRO ADIANTE DOS BOIS, VELHA MANIA NACIONAL. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


Desde os tempos do Vice-Reinado, que começou em 1762, e com a chegada da côrte portuguesa ao Brasil em 1808, é tradição brasileira da administração pública colocar antes o que devia vir depois. Assim, tivemos vice-reis antes de sermos um Vice-Reino, tivemos universidades sem antes termos escolas primárias, tivemos jornalistas sem ter jornais, tipografias que não podiam imprimir. D. Jorge Mascarenhas governou o Estado do Brasil de 1640 a 1641 e foi chamado de vice-rei “por sua alta fidalguia”, da mesma forma que colegas seus. São coisas antigas as antecipações no Brasil.

Há um sambinha de breque, penso que de Marília Batista, do qual existe uma deliciosa gravação de Dilermando Pinheiro, que fala que a Risoleta “não sabe nem ler e já quer gastar o francês / e diz que despreza quem só fala o português.” No Brasil de hoje, há muitas Risoletas que querem tornar obrigatório o ensino de música nas escolas.

Amigos, o ensino fundamental no Brasil é uma vergonha. Há muitas localidades que nunca tiveram uma escola e muitíssimas que as tem em um barracão de zinco com as crianças sentadas no chão ou em tocos de árvore. Mesmo em locais mais desenvolvidos, o nível do ensino e dos “professores” é pesantemente baixo. Se algum dos leitores (se houver...) for ao interior de qualquer estado pobre brasileiro, parar à frente de uma escola pública de qualquer nível e perguntar a um aluno pinçado “au hasard” quem foi Getúlio Vargas ou o seguinte probleminha: as idades somadas de João e Pedro dão 60 anos e um tem o dobro da idade do outro. Qual as idades deles? Ou quem foi Napoleão ou qual a mais populosa cidade brasileira, a maioria maciça não vai responder. Vão lá experimentar.

Ortografia então chega ao extremo e penoso ridículo de conter inacreditáveis erros, ogi vou au sinemaexto com Gesuz, concordância nem pensar, e aí as sinopses da TV a cabo são invencíveis, e por aí. Ninguém sabe nada e o Brasil tirou último lugar em recente maratona internacional de estudantes.

Em meio a essa gigantesca indigência abecedária, a esse tenebroso analfabetismo, vir alguém e propor ensino de música nas escolas é mais grotesco que a Carmen Miranda sem calcinha dançando em Hollywood e mostrando tudo em um rodopio. Ou que o Collor tirando onda de religioso... Ou que o nosso presidente pronunciando palavras “difíceis”...

Gente, com o dinheiro e o tempo gastos na implantação e funcionamento de ensino de música obrigatório nas escolas, com os salários que deverão ser pagos a professores especializados, com a compra de material (um piano sempre será imprescindível ou ao menos uma flauta, um pandeiro) podemos tentar melhorar o ensino do beabá, da gramática elementar, da matemática idem, podemos alimentar melhor as crianças, melhorar um sanduichezinho com nescau para elas, uma sopinha, um leitinho gelado.

O ensino de música nas escolas dará inclusive margem a que pintores também pretendam o ensino da pintura, escultores idem, teatrólogos idem, “chefs” culinários idem, bailarinos idem. Que beleza, a filhinha da dondoca fazendo fouetées ... Vai ser aquela bagunça, ou como diz meu amigo Ali Hassan, aquela “lambança” ...

A maioria das pessoas ligadas às artes plásticas, à dança clássica e à música clássica no Brasil tem uma idéia muito restrita do que seja o Brasil das enormes extensões de terra do interior. Quase todos que circulam em torno dessas artes nos lugares mais ricos e populosos do país tem a mente bloqueada para os reais problemas de nossa gente, e pensam que o Brasil ou vai da Marginal Tietê até o Itaim Bibi (só em São Paulo ...), de Copacabana e Ipanema à Barra da Tijuca, do Savassi à Praça Sete, da estátua do gaucho até a Avenida Carlos Gomes...

Esses dondocos de meinha nyke e tênis idem, essas dondocas da Daslu ou da Daspu, é que querem ensino de música nas escolas, antes de os alunos saberem que números são múltiplos de três ou que o sujeito deve concordar com o verbo.

Amo minha terra, sou patriota e me envergonho com coisas do tipo copa no Brasil, estádios de futebol construídos com dinheiro público com velhinhas morrendo na fila do SUS, verbas para ópera e ballet, etc... etc... Ensino de música nas escolas é desse time.

Vamos sim botar música nas escolas. Talvez uma crioulinha bem pobre lá do Cariri ou de Floresta dos Navios vire uma Clara Wieck ou quem sabe um índio do Careiro se torne um novo Debussy, abandonando seus maracás e sua flauta de osso ...

LIBER SCRIPTUS PROFERETUR
MARCUS GÓES – (1939-2016)
Fonte: movimento.com

Comentários

  1. um não substitui o outro,música trabalha todas as áreas do cérebro ao mesmo tempo.Precisamos de tudo, verdade, o ensino é medíocre, mas não justifica não ter aula de música que tb faz parte da formação desde a Grécia Antiga.As artes transformam vidas e é outra habilidade que deve ser desenvolvida, uma profissão e artista também precisa de trabalho e remuneração.

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  2. Divertido de se ler,mas totalmente falacioso em seus argumentos o texto acima,pois quase todos os grandes compositores do passado viveram em tempos onde haviam problemas terríveis na sociedade,mas como sempre os ricos e poderosos em busca de se afastarem da imundície usualmente associada ao poder mundano,buscaram se cercar e patrocinar a classe artística,espiritualizando-se.Isto fazem tanto os mecenas privados como o próprio governo.A classe artística sempre viveu na maioria das vezes atrás dos poderosos implorando por migalhas,numa situação precária,com suas criações sendo desvalorizadas pelo entorno social.A falácia consiste em afirmar que se existem muitos problemas no mundo,as reclamações da classe artística não merecem muita atenção,quando são situações diferentes e não relação alguma entre si.O sofisma descrito acima inclusive permite o comodismo e a perpetuação de situações inaceitáveis,já que parte do princípio enganoso que se não pudermos resolver os grandes problemas da vida em sociedade(o que é impossível),não podemos fazer nada em relação a um problema específico.Isaac Carneiro Victal.

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  3. Não conheço o autor, mas certamente em nome de sua memória seria interessante veicular textos mais relevantes do mesmo, pois nesse ficou feio seu desconhecimento das possibilidades do ensino de música escolar e das pedagogias ativas, inclusivas e preparatórias para que depois os alunos com vocação, interesse e, infelizmente, condições possam vir a seguir seus estudos de forma mais aprofundada.

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  4. não sei o porquê de desenterrar esses textos horrorosos de um morto. Que fique bem enterrado. Destila preconceitos e é totalmente equivocado na ideia sobre a educação musical. Nem merece ser contestado, tão evidente é a vantagem para qualquer criança, de qualquer classe social, objeto de estudos de gente qualificada e comprovada até por qualquer olhar de pais extremosos.. . Ai ai, o que mais ainda surgirá da escrita triste desse grande boçal ?

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