DON GIOVANNI QUEBRA PARADIGMAS NO XVI FESTIVAL DE ÓPERA DO THEATRO DA PAZ. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



  O XVI Festival de Ópera do Theatro da Paz quebrou diversos paradigmas com a apresentação da ópera Don Giovanni de Mozart. Diversas "verdades" entoadas por muitos caíram por terra. A primeira delas é a falta de interesse do público com ópera, essa é uma inverdade atroz, os teatros vivem lotados e em Belém não foi diferente, ingressos esgotados para todas as apresentações. O público não aceita montagens ousadas, modernas e inovadoras. Aceita sim, como veremos abaixo a galera se deliciou com a produção. A pior "verdade" de todas, não temos no Brasil solistas para determinados papéis, diz isso quem não conhece a fundo os cantores líricos brasileiros.
   A opção pela ousadia contra o conservadorismo pode ser arriscada em Belém do Para, o público pode estranhar certas liberdades artísticas. Mauro Wrona assume o risco e faz um Don Giovanni moderno, teatral e inovador. Conta a história com clareza, lembro que as peripécias do conquistador são muitas. Inova na cena final com todo o libido e a lascívia expostos, um soco no estômago do espectador. Don Giovanni é cercado por diversas garotas seminuas que avançam em cima dele. O herói mostra todo o caráter de conquistador onde sua vontade sempre deve prevalecer. Quem estava sonolento nessa hora acordou rápido para não perder o impacto da cena.
   A movimentação cênica dos solistas é precisa, o clima une o tradicional com o moderno em cenas sempre dinâmicas e de fácil assimilação para o público leigo. O cômico e o dramático andam lado a lado mostrando a complexidade do personagem título. Dialogam com a direção os excelentes figurinos de Fabio Namatame e o cenário escuro, ora nebuloso de Nícolas Boni com seus dois painéis que unem as cenas. A luz de Caetano Vilela cria um clima ora sombrio, ora ameno. 
   Os solistas mostraram grande performance, Marina Considera eleita por esse blog como melhor cantora solista de 2014 esbanjou talento cênico e vocal, voz de diversas nuances líricas e timbre quente como Donna Anna. Dramática na atuação cênica apoiada em bons pianíssimos e agudos explosivos. Kézia Andrade tem voz luminosa com fraseado emitido corretamente, timbre cristalino e afinado, munida de boa intervenção cênica. A solista como Donna Elvira prova que pode interpretar papéis maiores. 
  Anibal Mancini interpreta Don Otavio, eleito revelação lírica de 2013 por este blog, agudos fortes e potentes deram o tom de sua apresentação. Tenor em constante evolução. O lirismo no timbre e a delicadeza vocal estiveram presentes na voz de Dhuly Contente, sua Zerlina é simples, ingênua e delicada. Seu par Idaías Souto tem voz comum e empresta boa atuação cênica. Silverio de la O faz Leporello com grande desenvoltura cênica, peca na falta de graves encorpados. 
   O personagem principal é um desafio hercúleo aos barítonos. Mostrar toda a gama complexa vocal e cênica do personagem é para poucos. Homero Velho tem o biotipo correto, seu principal atributo está no cênico, extraí do personagem galã e conquistador excelentes tiradas. Sua voz segue a tendência dos barítonos atuais, tem os agudos em destaque e os graves ficam em segundo plano. Seu timbre é possante, voz farta de agudos, bons médios e graves que deixam a desejar. 
   A Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz regida por Silvio Viegas apresenta musicalidade correta com volume adequado a sala. A precisão rítmica exigida da obra está presenta na regência de Viegas, as entradas dos instrumentos sempre precisos valorizaram a teatralidade. O Coro Lírico do Festival regido pelo competente Vanildo Monteiro mais uma vez fizeram uma grande apresentação.
   Don Giovanni do XVI Festival de Ópera do Theatro da Paz  prova que é possível fazer óperas de grande porte, de longa duração, com solistas nacionais e montagens modernas e de excelente qualidade no Brasil. Existe público interessado em todos os Estados da União. 

Ali Hassan Ayache viajou à Belém do Pará a convite da direção do XVI Festival de Ópera do Theatro da Paz. 


Foto: Marina Considera e Homero Velhor em cena de Don Giovanni.
     

Comentários

  1. Então, cabe lembrar, lembrar e lembrar: público não falta, faltam oportunidades. Há muito falo que o TP consegue fazer uma temporada e que ela se pagará.
    Mas que vale minha opinião?

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