"TOSCA" REVELA ILUMINISMO E OS ATUAIS RECURSOS DAS VOZES NACIONAIS NO MUNICIPAL DO RJ. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


 O iluminismo com base nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade contra o absolutismo monárquico, o poder da Igreja defendendo a liberdade econômica, o antropocentrismo e o predomínio da burguesia e seus ideais. Estas encontram-se com a realidade desta ópera mestra de Giacomo Puccini (1858-1924) a "Tosca"; obra das mais queridas do público do lírico, já a partir de sua estreia a 04/01/1900,no Teatro Costanzi de Roma. Na mestria de Puccini encontram-se já uma orquestração adiantada e privilegiada com harmonias e dissonâncias precipitadas para os ouvidos da época, identificadas em vários trechos desta bela obra com libreto de Illica-Giacosa e Victor Sardou.
    Os atuais e esparsos recursos do Governo do Estado e Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro, resultaram no pleiteio de patrocínio conseguido da PETROBRÁS, para a realização do presente espetáculo  conferido por nós na récita de 27 de setembro às 20h00.
    A ausência do cenário do 3º ato contribuiu bastante para um desfecho decepcionante, mal acabado, sobre o aspecto cenográfico e de iluminação de Fabio Retti, aliás bem aquém do que se espera para a obra em epígrafe. O âmbito sacro nos apresenta um Cristo mutilado como centro, o qual vai reaparecer no último ainda em piores condições. No ato II mais parecia um ambiente contemporâneo de mal gosto, bem longe do Palácio Farnese. Iluminação deficiente e franzina, muito irregular e inadequada; e quanto aos figurinos de Marcelo Marques, não foram poupados recursos, em favor de um certo exagero aquarelado nos trajes dos bispos e fiéis, e até nos de Spoletta (mais parecia um mouro veneziano "Otello" verdiano); bem como nos do tirano, sanguinário, prepotente, perverso Barão Scarpia; estes de bonito efeito cênico.
    Homero Pérez-Miranda, o barítono cubano é bastante correto em sua atuação cênica, entretanto musicalmente, a sua vocalidade não consegue preencher toda a gama interpretativa do caráter satânico e demoníaco desse cobiçado personagem pucciniano. Foi morna a sua interpretação do Te Deum e de "Già mi dicon venal" e demais passagens do célebre dueto com Tosca.  Até hoje, quem pode ser comparado com as performances de Giangiacomo Guelfi,  Tito Gobbi,  Giuseppe Taddei, Cornell McNeill, ou o brasileiro Sílvio Vieira, conferidos por nós nesta casa tradicional, ou em São Paulo e outros teatros americanos ?  
     Eliane Coelho é uma artista consagrada e internacionalmente reconhecida, experiente no palco e nos seus personagens; consegue manter a linha de interpretação com classe e tarimba. Contudo os seus recursos canoros chegaram ao final da carreira, o que já lhe impede de vencer às inúmeras dificuldades vocais da Tosca, não lhe permitindo a emissão segura e precisa das notas musicais mais agudas em importantes  passagens, somadas a frequentes desafinações em toda a sua registração; ladeada de um centro vocal opaco e obscuro, nem sempre sonoro, abusando ainda dos seus graves de peito. Resulta-se num rendimento inaceitável e já comprometedor. "Vissi d'arte" deficiente e "Il tuo sangue o il mio amore volea", e também no dueto "O dolci mani!" todos muito sofridos, ansiosos  e aflitos revelam este final de uma carreira de inúmeros êxitos, famas, troféus, conquistas, aplausos e títulos operísticos, inclusive na Opera do Estado, em Viena. 
     Eric Herrero nas vestes do charmoso Mario Cavaradossi projetou-se inadequado em sua vocalidade já na célebre "Recondita armonia", onde via-se as suas dificuldades canoras, confirmadas logo após no dueto Ato I com Tosca e nos subsequentes "Vittoria!....Vittoria!"; seguida da celebérrima "E lucevan le stelle", à deriva de belos agudos e portamentos tão esperados pelo público. Realmente não é o seu ideal papel,  na galeria dos tenores criados por Puccini.
     Completando o "supporting cast" desta partitura mestra a Orquestra Sinfônica do TM esboçou belos solos de violoncelo, flautas (1ª e 3ª) e do 1º clarinete, todos no Ato III, respondendo à excessiva gesticulação de seu regente.Coro de Jesus de Figueiredo com vozes encorpadas e sonoras ladeado pelo Infantil da UFRJ garantiram o belo e quase atonal  Te Deum. Assinalam-se o Sacristão de Ciro d'Araújo melhor cenicamente  que na musicalidade apresentada (27/9); o que se pode também afirmar referente a Murilo Neves (Angelotti e após, o  Carcereiro) numa atuação musical comprometida pela má emissão de técnica-vocal somada a uma inexpressiva ação cênica. Bem musicalmente, porém um pouco afetado atuou o Spoletta de Geilson Santos (tenor leggero), direcionado por André Heller Lopes, (Guilherme Damiano foi um grande Sacristão neste Theatro Municipal, como Andréa Ramus e Boris Farina no Municipal de  São Paulo); bem como a projeção, também muito afetada, do Roberti, personagem apenas  cênico, mais Fabrizio Claussem como Sciarrone; satisfatório teatralmente.  Lembramo-nos  sempre de Nino Crimi, Vittorio Pandano, Geraldo Chagas (RJ) e de Assadur Kiulhtzian, de SP  (com o seu olhar de aguia, nunca mais visto igual nos teatros brasileiros). E de Giangiacomo Guelfi como Barão Scarpia ao lado de Elena Suliotis, Luisa  Maragliano, Magda Oliviero e Renata Tebaldi.  Nunca mais !...

Escrito por Marco Antônio Seta em 28 de setembro de 2017.
Jornalista inscrito 61.909 no MTB/SP 
Diplomado em Jornalismo (FCL);  piano, história, harmonia e contratempo no Conservatório Dramático "Dr. Carlos de Campos", em Tatuí, SP (1976) e graduado em Artes Visuais pela UNICASTELO, em São Paulo (2009).

As fotos são de Júlia Rónai (TMRJ); cedidas com exclusividade ao Opera&Ballet
a Marco Antônio Seta 

Comentários

  1. Uma retificação quanto a data de estreia desta opera "Tosca"; no dia 14 de janeiro de 1900, no Teatro Costanzi, em Roma, e não como constou no texto acima.

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