"A FLAUTA MÁGICA" MESCLA O CLÁSSICO E O CONTEMPORÂNEO EM PRODUÇÃO DESCARACTERIZADA DO ORIGINAL. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


Cena da ópera "A Flauta Mágica" do TMSP.
      
    A história de "A Flauta Mágica", de W. A. Mozart (1756-1791) cujo libreto de Johann Emanuel Schikaneder em colaboração com o compositor, está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo até a próxima quinta-feira 21 de dezembro. Com a simplicidade de sua trama paradoxalmente carrega grandes mistérios: a ópera já recebeu leituras em grandes teatros americanos e europeus, que vão desde a investigação de símbolos e evocações maçônicas que Mozart insere em sua partitura, até uma recriação que tem como pano de fundo trincheiras da II Guerra Mundial. O enredo narra a história dos jovens Tamino e Pamina, que ficam juntos quando vencem o mal representado pela Rainha da Noite e se aliam à sabedoria simbolizada pelo sumo sacerdote de Isis: Sarastro (baixo profundo).
          Todavia segundo o diretor cênico, André Heller-Lopes acredita "que há constando num livro em que Michael Freyhan mostra que há diferenças no texto entre o manuscrito e a primeira versão editada da ópera, revelando que, na verdade, a ideia de associá-la ao mal é algo que só vai acontecer depois que boa parte do texto já estava escrita", explica o diretor. Assim, a parti daí, o diretor resolveu deixar de lado a oposição entre o bem e o mal, e seguir em outro rumo. Consequentemente a Rainha da Noite (soprano coloratura) acaba simbolizando o mundo real, enquanto Sarastro vive uma ilusão. Esta é a visão do diretor da montagem que invade o palco de nosso Municipal. 

           Em suma sua montagem mescla o clássico  e o contemporâneo e, nem sempre cai bem; como por exemplo  a troca dos gênios, que originalmente são escritos para vozes infantis (brancas), aqui vividas por adultas, o que as  descaracteriza e perde a sua intenção de caráter próprio, vestindo-as com capas com pisca-pisca, mais parecendo um show do saudoso "Holiday on Ice", em suas temporadas anuais  no Ginásio do Ibirapuera ! Também despersonificou a imagem da Rainha da Noite, transformando-a numa dama sensual sem o espírito do mal e abusou das intenções de Sarastro com Pamina no decorrer do Ato II, igualmente contrariando o personagem do sumo sacerdote de Isis, que não é, e nunca foi, o que ele tenta passar ao público, deformando, estraçalhando e deturpando tudo o que há no original da peça magna de Mozart. Igualmente o fez com Monostatos, transformando-o em personagem debochado, de pura gozação. É o oco descompensado revestido de uma armadura para segurar a onda, nada mais que isto !
           A ópera de 1791, que teve a sua premiére a 30 de setembro daquele ano em Viena, no Theater auf der Wieden, hoje está na direção musical do maestro Roberto Minczuk à frene da Orquestra Sinfônica Municipal.  Na récita de terça-feira (19) o maestro Gabriel Rhein-Schirato assumiu o pódium pontuando minuciosamente a delicada partitura do genial Mozart, evidenciando bonitos solos do 1º flautista, da celesta e dos teclados em geral. Demonstrou nesta oportunidade a sua competência para reger uma ópera deste gênero mozartiano.
           Entretanto não há composição que não seja magnífica, e que a  bela paleta de cores leitosa não acentue as qualidades do soprano  argentino Oriana Favaro. Apesar de  descaracterizada do original, revelou uma técnica apurada de coloratura, ainda que apresente algumas notas não tão afinadas aos nossos ouvidos, é uma revelação da cena lírica argentina proveniente do Teatro Argentino de La Plata e outros do país hermano. Musicalmente é a melhor integrante do conjunto ora em cena em nosso Municipal e recebeu os maiores aplausos da noite em sua proeminente atuação em "O zittre nicht" no Ato I e na dificílima "Der Holle Rache kocht in meinen Herzen" no Ato II. 
           O Papageno de Michel de Souza é mais condizente na parte cênica do que em sua performance vocal. Há ainda um longo caminho a palmilhar para uma grande interpretação deste importante personagem. A Papagena de Luisa Francesconi deu-lhe regulares oportunidades, assinalando já as suas limitações vocais desgastadas pela intensa atuação nos palcos brasileiros. Apelou cenicamente o quanto foi-lhe designado. Luciano Botelho, tenor lírico (Tamino) atuou discretamente tanto vocal como cenicamente, não recebendo a ovação esperada do público. 



            Gabriella Pace é soprano lírico adequada ao papel de Pamina e acomodou-se bem nesta personificação, emitindo bons pianissimos em suas inervenções; cenicamente bem. O Monostatos de Geilson Santos (tenor leggero) convence em suas inserções somando-se a musicalidade inerente em todas as suas atuações. A presença deste artista do Teatro Municipal do Rio de Janeiro é benéfica ao conjunto que ora se apresenta. Integraram o elenco o trio feminino composto de Laura Duarte (soprano ligeiro); Keila de Moraes (meiossoprano) e Elaine Martorano (um contralto que se destacou sobremaneira neste trio, quer pela sua bonita timbrística ou pelo atuar cênico). 
             Savio Sperandio não convenceu como Sarastro, devido a inexistência de suas notas mais graves, escritas para um baixo profundo, considerando-se que ele é baixo cantante; portanto não preenche a  tessitura, deixando à deriva os ouvintes naquelas notas tão esperadas da escrita do compositor austríaco, prodígio fenomenal nesta composição. Cenicamente ele exagerou obedecendo ao diretor cênico, investindo em Pamina (Ato II) a que o libreto original não corresponde. 
             Os guardas: Eduardo Góes esteve hesitante e deficiente em sua afinação seguido de Daniel Lee (barítono). Johnny França foi o Orador, com boa atuação cênica. Quanto aos cenários de Renato Theobaldo são planos e aceitáveis e aos figurinos de Sofia Di Nunzio, pode-se afirmar que fazem boa presença no palco, revelando conhecimento e entrosamento na arte lírica e no mettiér da ópera, onde atua com frequência no Teatro Municipal de Santiago do Chile e Colón de Buenos Aires entre outros sul americanos. O palco foi agraciado pela iluminação eficiente de Aline Santini, com belos efeitos de  complementação nas artes visuais. 

Marco Antonio Seta é jornalista pela FCL, estudou piano, harmonia, história da música e contraponto e graduou-se em Artes Visuais pela UNICASTELO. 
Inscrição sob nº 61.909 - MTB

Fotos: Cenas da ópera "A Flauta Mágica" do TMSP.


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