CURTO CIRCUITO NA TEMPORADA 2017 DE ÓPERA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


NA BOCA DO CÃO - FOTO/ DALTON VALÉRIO

Desde o início de 2017, a percepção da crise política e econômica teve graves consequências para as artes cênicas, com redução dos patrocínios, suspensão dos editais e incentivos oficiais.

Mas se na criação teatral seus reflexos foram imediatos obrigando a busca de soluções que não interrompessem de vez o fluxo produtor, na ópera e na dança os resultados foram catastróficos, especialmente na programação lírica e coreográfica do Theatro Municipal.

Na insanidade da brusca exoneração do funcional comando diretor/artístico de João Guilherme Ripper, instaurou-se um caos ampliado pelos atrasos salariais dos corpos estáveis do TM, limitando, por razões justíssimas, as atuações do Coro, da Orquestra e do Corpo de Baile.

Suspendendo-se, ainda, a programação planejada e anunciada para 2017, após a ocupação da Presidência pela incompetência de um gestor(André Lazzaroni) fora do ramo. Onde  houve, pelo menos, uma compensação na esperança de algum resgate na reconhecida experiência profissional do novo diretor artístico (André Heller-Lopes).

Mesmo assim, entre trancos e barrancos, o mais tradicional palco carioca viveu o pior momento de sua história, com apenas duas óperas encenadas, uma isolada apresentação do Balé do TM num concerto cênico (Carmina Burana) e na apresentação de uma “Carmen” dramatúrgica de Peter Brook.

Na abertura da temporada, Jenufa, emblemática criação operística de Janácek, surpreendeu por seu ineditismo musical/cênico no, por demais tradicional, repertório do TM. Com uma inventiva concepção diretora de André Heller, correspondida tanto no score sinfônico, como no primoroso elenco protagonista(Gabriella Pace, Eliane Coelho, Eric Herrero).
Jenufa, foto Júlia Rónai

Tosca, a segunda ópera encenada, também teve comando artístico de André Heller, que imprimiu-lhe um toque original sem fugir totalmente do seu conceitual de origem. Mas que, cenicamente, já mostrou o peso da crise. Com alguma limitação cenográfica e uma orquestra, às vezes, soando muito alta para os solistas.

Embora com boas performances, como Eliane Coelho, ainda que com menor alcance às exigências do papel titular, ao contrário de sua excepcional adequação vocal/dramática como Kostelnicka, a matriarca/sacristã de Jenufa.

Mesmo não podendo ser confundida como uma peculiar apresentação operística, já que, ali, o inventário dramatúrgico de Peter Brook prevalece sobre a progressão especificamente lírica de Bizet, La Tragédie de Carmen trouxe à cena cantores, além de bailarinos e músicos do TM. Faltando apenas mais rigorismo ao seguimento da proposta autoral, dramatúrgica/musical, o que quase a tornou uma performance indefinida, nem Bizet e nem Brook.

Neste árido deserto em que se transformou a Temporada Lírica 2017, chamou a atenção uma montagem fora do circuito tradicionalista, a estreia mundial de uma ópera de câmara Na Boca do Cão. Derradeira obra ,ainda em vida, do compositor carioca Sérgio Roberto de Oliveira, com cartaz prolongado, tal como uma peça de teatro, num dos espaços de palco do Centro Cultural Banco do Brasil.

Com um sutil referencial bauschiano de dança/teatro na direção conceptiva de Bruce Gomlevsky, libreto/poemático de Geraldinho Carneiro, um grupo camerístico(cordas/sopro/percussão) e um minimalismo cenográfico /indumentário.

Onde a imanente entrega psico/física/vocal a um personagem alter ego da protagonista (a soprano Gabriela Geluda) fez desta “pequena” ópera, uma criação sintonizada com a contemporaneidade, num inusitado espetáculo, valente e revelador,  no entremeio sombrio em que foi mergulhada a cena operística brasileira.

                                            Wagner Corrêa de Araújo

Tosca, foto Júlia Rónai

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