ÓPERA - OS DESAFIOS PARA O INTÉRPRETE - ENTREVISTA COM O SOPRANO ANA PAULA BRUNKOW POR WILLIAM CARDOSO ABREU.



Aos trancos e barrancos se faz Ópera no Brasil. Com produções amadoras, que muitas vezes surpreenderam, ou produções profissionais que várias vezes decepcionaram, há uma certa instabilidade na produção operística do país. Mas, bem ou mal, muito ou pouco, a Ópera acontece por aqui.
Salvo algumas exceções, a maior parte da produção fica restrita ao eixo Rio-São Paulo. Capitaneadas principalmente por Theatro Municipal de São Paulo e Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a temporada de Ópera, quando ela existe, é extremamente aguardada por público, crítica especializada e pessoas ligadas ao meio operístico.
Nos últimos anos o agravamento da crise econômica, cortes de verba para Cultura, endividamento e corrupção dentro das principais instituições culturais do país fez com que a produção fosse afetada.
Produções canceladas, decisões tomadas em cima da hora, com produções montadas do dia para a noite, sem prévia programação e muitas vezes com venda de ingressos iniciadas sem a divulgação prévia de elenco ou detalhes da produção.
No meio de toda a crise dentro das nossas instituições culturais surgiu uma discussão muito acalorada, diversas vezes divulgadas por este blog, na qual se contesta a preferência pela contratação de cantores internacionais ao invés de dar a oportunidade para cantores brasileiros integrarem as nossas produções.
Ora, essa discussão é louvável porque nossos teatros nunca serão instituições sólidas se sequer conseguirmos montar produções com um elenco majoritariamente brasileiro. Porém, o que notei nos últimos anos é que muitas vezes além da preferência por cantores internacionais que não trazem um resultado musical esperado, há uma certa preferência por um grupo restrito de cantores nacionais a integrar as principais produções. Muitas vezes descartando vozes interessantes que poderiam ter desempenho muito melhor em nossos palcos, e podando artistas que poderiam integrar facilmente o elenco de qualquer grande teatro.
Esse é o caso da cantora Ana Paula Brunkow. Que vi por diversas vezes, em excelente forma, em produções no Theatro São Pedro de São Paulo e que nos últimos anos não tem se apresentado por aqui. Nessa breve entrevista ela nos conta um pouco de sua trajetória, seus desafios e da dificuldade de se cantar no Brasil.

Primeiramente gostaria de agradecer a sua disponibilidade em conceder essa entrevista e nos contar um pouco dos desafios que um cantor lírico enfrenta em nosso país.
Conte-nos um pouco de sua trajetória, onde reside atualmente, quando começaram os seus estudos, quando começou a cantar profissionalmente, o seu registro vocal e o que está fazendo atualmente.
Eu que agradeço por contar um pouco sobre mim e minha carreira.
Bem, eu comecei a cantar profissionalmente tarde, aos 30 anos mas já estudava canto desde 18 anos com a mestre do canto lírico brasileiro Neyde Thomas. Comecei mais tarde por ter tido
filhos e ter optado por cuidar de minha família. O que não me impediu também de fazer uma carreira modesta aqui e na Europa.
Tenho um registro de soprano dramático de coloratura.
Atualmente atuo, como sempre atuei, como funcionaria pública e canto muito pouco profissionalmente por não existirem oportunidades.

Como se dá o processo de seleção em nossos teatros? Para os principais papéis o elenco é selecionado através de audições? Quem faz essas audições?
Os teatros sempre colocaram edital de chamamento de cantores para audições de forma justa para podermos mostrar nosso talento. Sempre fiz audições.

Mesmo com as audições há uma certa preferência por cantores já consolidados em nossos teatros, cantores internacionais ou preferencialmente o que as agências que realizam a gestão de carreira de determinados cantores indicam?
Sim. Infelizmente esta preferência existe. Os teatros e maestros optam por agências que gerenciam a carreira de determinados cantores, tanto nacionais como internacionais. E muitas vezes acabam não dando oportunidade para outros artistas tão bons quanto.

Muitas vezes o que percebo é que se opta por um cantor de nome, que não necessariamente seria o ideal para o papel, ao invés de se dar uma oportunidade para uma voz musicalmente adequada. O que você acha disso?
Eu mesma perdi trabalhos porque os maestros desistiram de mim pelo fato de a agência exigir uma cantora específica. Sem contar outros diretores que formaram um grupo único para subir ao palco. O que não acredito ser nenhum pouco democrático e faz com que muitos artistas como eu fiquem de lado, enquanto vozes muitas vezes inadequadas aos papéis sobem no palco. São vozes que na maioria das vezes funcionam, mas têm preferência diante de uma voz ideal. Dessa forma o público fica privado da oportunidade de conhecer novos artistas.

Dentro do seu repertório, quais papéis você está preparada para cantar?
Dentro do meu repertório já cantei e estou preparada para muitas protagonistas como Turandot, Tosca, Norma, Abigail de Nabucco, Suor Angelica, Macbeth, Dona Anna de Don Giovanni, Manon Lescaut, Gioconda, Marguerite de Mefistófeles, Adriana Lecouvreur, Leonora de La Forza del Destino, Leonora de Il Trovatore, Amélia de Un Ballo in Maschera, Santuzza de Cavalleria Rustizana dentre outros.

Lembro-me da produção de Tosca no Theatro São Pedro em 2010 da qual você foi a personagem protagonista. Nos conte um pouco dos bastidores dessa produção e como você foi escalada para o papel.
A ópera Tosca foi um presente que Paulo Ésper (Cia Ópera São Paulo) me deu. Não era para eu cantá-la e sim Laura de Souza, que na época havia feito uma cirurgia.
Como eu sempre estou pronta e preparada, porque trabalho meu repertório com o grande maestro Alessandro Sangiorgi desde 2004, fui e cantei Tosca regida pela maravilhosa maestrina Lígia Amadio, com um elenco de primeira como Rodrigo Esteves e Rubens Medina além de outros como Saulo Javan. Foi muito especial e tivemos bons momentos no palco e bastidores.

Sei que você passou um período cantando e estudando na Europa. Estudar fora do país é sempre um grande desafio e demanda um certo investimento financeiro do artista, seja através de bolsa de estudos, patrocínio ou mesmo recursos próprios. Como foi essa experiência? Como é a estrutura dos países pelos quais passou para a ópera? Há mais oportunidades?

Sim eu tive oportunidade de cantar 3 produções na Itália. Turandot, Suor Angelica e Don Giovanni. Estudei com maestros italianos e registas, dentre eles o grande e competente Maestro Massimiliano Carraro que foi maestro correpetidor por mais de 30 anos no Teatro Alla Scala de Milão.
Participei dos Festivais de Ravello e de Paolo Tosti. Estudei técnica com a Professora do Conservatório de Veneza maravilhosa Luísa Giannini e musicalmente com o Maestro Andrea Di Mele e Donato Renzetti.
Cantei no Teatro Marrucino, Teatro Fenaroli de Ancona e fiz recitais com o grupo Solisti Aquilani. Cantei também no Teatro Comunale de Adria.
Tive grande enriquecimento cultural e artístico lá, embora também haja crise tanto nos países como nos teatros Europeus. Oportunidades são poucas, mas existem e sempre investi recursos próprios na minha formação.

Hoje você está fora dos palcos mas continua estudando. Quais papéis está estudando e o que seria necessário para retornar aos palcos de nosso país?

Estou sim fora dos palcos mas sempre pronta e preparada porque, como mencionei, estudo semanalmente com o maestro SANGIORGI e também com a pianista Priscila MALANSKI.
Além de sempre rever meu repertório estou sempre buscando outros para estudar. No momento Lady Macbeth, Gioconda e Turandot novamente. Preciso sempre cantar Puccini e Verdi.
Acho que para eu retornar aos palcos preciso de oportunidades. Uma agência que me reconheça como uma artista de valor no Brasil e mais democracia nas escolhas dos elencos. Acho que todos temos o direito de estar no palco e mostrar nossos talentos independente de agências e preferências. Somos e estamos aqui para fazer o melhor possível em nome da arte.
Obrigado pela entrevista!

Foto:Soprano Ana Paula Brunkow, foto Internet.

Comentários

Postagens mais visitadas