UM MAHLER 100% MADE IN BRAZIL. ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL DE SP PROVA QUE NÃO PRECISAMOS DE GRINGOS PARA OS GRANDES CONCERTOS. CRÍTICA DE WILLIAM CARDOSO ABREU NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Estive neste sábado, 3 de março, na estreia da temporada 2018 do Theatro Municipal de São Paulo para acompanhar a interpretação da 8ª Sinfonia de Mahler.
Obra fundamental do repertório ocidental, apresenta um grande desafio para maestro, orquestra, corais e solistas devido às suas proporções monumentais.
Na versão da OSM mais de 300 músicos ocuparam o palco do Theatro Municipal de São Paulo. Completaram os efetivos o coro infanto-juvenil da Escola Municipal de Música nos balcões laterais, o Coro Lírico e o Coral Paulistano no palco.
Gabriella Pace, Rosana Lamosa, Raissa Amaral (Sopranos), Denise de Freitas (Mezzo Soprano), Ana Lucia Benedetti (Contralto), Fernando Portari (Tenor), Lício Bruno (Barítono) e Sávio Sperandio (Baixo) completaram o time de solistas do concerto desta tarde.
Não é fácil equilibrar uma obra desse porte. O hino inicial “Veni Creator Spiritus” começou um pouco cambaleante, onde havia certo desencontro entre orquestra coro e solistas. O que foi corrigido ao longo da interpretação deste primeiro movimento. Havia também um desequilíbrio com relação ao órgão amplificado que destoava da orquestra, problema corrigido somente na segunda parte do espetáculo. Vale ressaltar a falta de cuidado ao longo de todas as gestões do teatro com relação ao órgão de tubos, que hoje é somente enfeite. Imagino que se gasta tanto dinheiro público com questões desnecessárias e não se é capaz de criar um projeto para reestruturação desse belíssimo instrumento.
Destaque para a mezzo-soprano Denise de Freitas, sua voz se sobrepõe facilmente às demais, assim como do soprano Gabriella Pace, com boa projeção e um belo timbre nos agudos. Despercebidas passaram a contralto Ana Lucia Benedetti e o soprano Rosana Lamosa que mesmo com a orquestra e coro mais equilibrados não conseguiram vencer a massa orquestral. Coisas de Mahler.
Protagonista principal da obra, os coros Lírico, Paulistano e Infanto-Juvenil fizeram uma linda leitura da obra e o palco se incendiou no “Gloria Patri sit Patri Domino” encerrando com muita emoção a primeira parte, com solistas coro e orquestra bem acertados.
Desnecessário um intervalo de 20 minutos entre a primeira e a segunda parte, talvez para uma recuperação das vozes, mas a quebra prejudica a meu ver o andamento da obra.
O melhor do espetáculo ficou reservado para a segunda parte. A cena final do Fausto de Goethe começou com a belíssima introdução orquestral que demonstrou as capacidades plenas dos naipes da OSM. Destaque para a sonoridade dos metais e o cuidado do maestro Roberto Minczuk com a sonoridade das cordas.
Após a intervenção do coro, destaque para a belíssima interpretação do barítono Lício Bruno como Pater Ecstaticus no “Ewiger Wonnebrand” carregada de emoção, abrindo espaço para a entrada do baixo Sávio Sperandio como Pater Profundus em um solo de tirar o fôlego. Voz grave, com volume, excelente projeção e um belíssimo timbre.
Destaque também para o Doctor Marianus do tenor Fernando Portari, visivelmente inspirado pela obra teve um excelente desempenho nessa segunda parte.
Mais uma vez o destaque do quarteto feminino no palco ficou com a interpretação do soprano Gabriella Pace como Magna Peccatrix e da mezzo-soprano Denise de Freitas como Mulier Samaritana. A Maria Aegyptiaca de Ana Lucia Benedetti passou mais uma vez despercebida e encoberta pela massa orquestral. Rosana Lamosa se esforçou na interpretação de Una Poeniteniun, porém, apesar de um belo registro nos agudos carece de boa projeção nos médios e graves fazendo com que em alguns momentos sua voz ficasse praticamente inaudível. Talvez essa partitura não seja para sua voz.
Raissa Amaral tem uma bela voz, a curta intervenção como Mater Gloriosa cantando a partir do Balcão Nobre do teatro foi apenas correta.
Encerrando uma bela apresentação, mais uma vez destaque para o tenor Fernando Portari cantando junto com o coro e abrindo espaço para a belíssima entrada do Chorus Mysticus, melhor momento do espetáculo. Com a OSM entrando em pianíssimo e a sonoridade crescendo para um final apoteótico.
Não entendi por quais motivos o maestro optou por repetir o final do Chorus Mysticus nos últimos acordes da obra, onde geralmente encerra a orquestra sozinha. Pouco usual, não prejudicou a interpretação nem a beleza da obra, mas não sei se Mahler coloca isso na partitura. A meu ver a interpretação perde em originalidade.
Fora essas questões pontuais, tivemos um grande espetáculo. Digno da abertura de temporada de um grande teatro como o Municipal. A temporada 2018 parece estar mais acertada em seus objetivos como palco de música clássica e ópera, apesar de termos apenas 4 produções de ópera, a programação reflete um compromisso com a verdadeira vocação do teatro.
A qualidade dessa apresentação mostra também que é possível fazer com um elenco 100% nacional uma obra desse porte, muito bem cuidada do início ao final.
Muito superior à última apresentação da 8ª de Mahler que fui em 2011 com a OSESP em uma interpretação fria e monótona dirigida pelo maestro russo Gennady Rozhdestvensky, que chegou ao absurdo de amplificar as vozes dos solistas com microfones, que não surtiu um efeito musical agradável e tornou a interpretação um mamute.
Que os nossos teatros olhem para os solistas que temos em casa se dê a oportunidade para que tenhamos mais espetáculos dessa qualidade, nos concertos e nas óperas com solistas brasileiros.
William Cardoso Abreu
Ótimo texto
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