BALLET DU CAPITOLE DE TOULOUSE: DISTANCIANDO-SE DE NUREYEV. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Da viagem natalícia (1938) num trem transiberiano à sua morte parisiense (1993, vítima do HIV) , Rudolf Nureyev foi talvez o mais emblemático símbolo da dança masculina clássica russa no século XX, na mesma linhagem que consagrara seu antecessor Vaslav Nijinski. Tendo, ainda, inicializado a trilha dos bailarinos desertores da então União Soviética, na Paris 1961, seguido, entre outros, por Mikhail Baryshnikov.
Com seu talento instintivo, depois de rápida ascensão da dança folclórica ao grande repertório clássico do Kirov Ballet ele foi, ao mesmo tempo, se caracterizando por uma personalidade impositiva, ora pelo caráter egotista/vaidoso, ora por seu orgulho carregado de extremada arrogância.
Da sua consagração no ocidente europeu, com o mesmo patamar de fama de um pop/rock/ star, dos anos 60 até a proximidade de sua morte. Quando, mesmo debilitado, ainda surpreendeu com suas derradeiras performances e com a despedida de coreógrafo e diretor do Balé da Ópera de Paris, em La Bayadère.
E foi neste Corpo de Baile onde começou a trajetória do bailarino de ascendência árabe Kader Belarbi que, anos depois, a partir de 2012 torna-se o responsável artístico pelo Ballet du Capitole de Toulouse. Que faz a presente tour pelo Brasil, coincidentemente com um programa/tributo ao seu antigo mentor coreográfico , na titularidade de Nos Passos de Nureyev.
Mas, enquanto era promissora a expectativa por seu conceituado trabalho autoral, de prevalente originalidade no La Bête et la Belle e em Dead Queen ( já lançados inclusive em dvd), ficou em compasso de dúvida o programa trazido ao Brasil.
Anunciado como uma retomada de alguns momentos capitais da trajetória de Nureyev, cada número dando esperança de que , certamente, haveria ali uma memorável representação. Mas questionada já na abertura como um contraponto a uma afirmação do próprio Kader Belarbi : “Como dar o ato das sombras de La Bayadere se eu não conseguir alinhar 32 dançarinos de alto nível ?”.
Não havendo em cena menos da metade das personagens, entre as (Sombras) bailarinas, descendo por minimalista rampa, num sequencial sem nenhuma sugestão do clima diáfano pela deficiente iluminação. Com interpretação correta do naipe feminino e uma ajustada dupla protagonista, com um não tão convicto personagem masculino (Solor , por David Galystan).
Mesmo com certa pureza de linhas, sem rigorismo absoluto na repetição dos códigos originais, a culminância com o Adagio, no Pas de deux(Tiphaine Prévost/Phillipe Solano)do Ato III da Bela Adormecida, marca carismática de Nureyev, soou fria e não empolgou o público. Seguindo-se a cena de amor , ato I, de Romeu e Julieta, com maior élan emotivo e convicta técnica, no duo de mais inspirado retorno da performance como um todo(Alexandra Surodeeva/Rouslan Savdenov).
Quanto ao Pas de Trois do Lago dos Cisnes(Ato III), teve expressivo alcance na agradável revelação das variações de Rothbart por um bailarino brasileiro solista e boa cria da Escola do Teatro Bolshoi em Joinville, o gaúcho Norton Ramos Fantinel.
O epílogo – a cena 2 do Ato III de Don Quixote – e único quadro com uso de elementos cenográficos, funcionou na plasticidade rítmica da dança típica espanhola(fandango) e na envolvência presencial de jovens solistas, um cubano(como Basílio(Ramiro Gómez Sámon) e uma Kitri (Julie Charlet) francesa que, enfim, fizeram por merecer os aplausos .
Sem servir de autenticado referencial, mesmo com seu belo propósito/tributo, a um dançarino apolíneo, padrão entre a fisicalidade masculina erotizada e uma sensitiva gestualidade quase feminina, o Ballet du Capitole de Toulouse tornou pálida a lembrança dos passos de Nureyev. Deixando distanciar-se da nuance especular do legado deste criador tão grande quanto narcisista mor.
Artista ímpar, difícil gênio. E, enfim, capaz de recusa até por Balanchine : “Quando você cansar da brincadeira de ser um príncipe, venha até mim”...
Wagner Corrêa de Araújo
BALLET DU CAPITOLE DE TOULOUSE em turnê nacional, Rio de Janeiro, dias 5 a 7(Theatro Municipal), São Paulo, dias 10 e 11(Teatro Alfa) e Curitiba, dia 14 (Teatro Guaíra). 120 minutos. Até 14 de abril.
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