ROMEU E JULIETA: UMA APOSTA ACERTADA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



FOTOS /  CAIO  GALLUCCI
A mais popular obra de William Shakespeare, com sua pulsão poética, de tragicidade e paixão, em torno da impossibilidade de uma delirante relação amorosa entre dois jovens de famílias rivais. Do amor ao ódio, é um exemplar puro e absoluto de vitalidade como criação dramática e de irretocável empatia por seu dimensionamento psicológico atemporal.

Capaz de atravessar séculos e empolgar quaisquer gerações, no seu extremado desafio pela afirmação corajosa de um casal proibido por conveniências político/sociais de duas clãs inimigas –  Montecchio eCapuleto – da Itália renascentista, arrastando  a um pacto de paixão e morte os enamorados adolescentes.Assim é, e sempre será , Romeu e Julieta, icônica dramaturgia em temática extensível e interativa às diversidades comportamentais e conceituais sobre o amor entre  povos e nações.

A partir da trama original alcançando celebradas versões, da ópera ( Bellini Berlioz) à música sinfônica e à dança (de Tchaikovsky a Prokofiev). E no universo cinematográfico, entre inúmeras outras de fidelidade rigorosa ou não, a campeã ,na preferência do público, no ideário estético de  Franco Zefirelli.

Além do teatro musical( Bernstein e sua West Side Story) e de outras releituras inventivas, com o olhar armado na contemporaneidade, como as do teatro brasileiro, com Antunes Filho e o Grupo Macunaíma  e a de Gabriel Vilella e o Galpão, com forte aporte circense e com lastro de mineiridade .

E é neste seguimento de representação investigativa que se insere a acertada aposta dramatúrgico/musical de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, em descortinadora visão concepcional /diretorial de Guilherme Leme Garcia, para este Romeu e Julieta em compasso carioca.

Que não inviabilizou o discurso shakespeariano ao adotar uma trilha com o repertório composicional e interpretativo de Marisa Monte e seus parceiros, mantido no seu contextual, tanto nas harmonias como no suporte lírico das canções, em alterativa identidade com o desenvolvimento narrativo/teatral.

Sublinhando a ação através de apurada percepção sonoro/musical (sob o comando de Apollo Nove), sem confronto radical,  da trama renascentista do bardo inglês diante dos acordes sambistas do repertório da compositora/cantora. Aqui, potencializado no dinamismo de vozes, irretocavelmente preparadas por Jules Vandystadt, na envolvência unificada de um afinado grupo instrumental.

A direção de Guilherme Leme Garcia se equilibra como um jogo cênico descontraído, mas sem nunca avançar demais desqualificando o esteio clássico da obra, sabendo dosar os recursos histriônicos, com sutis avanços de comicidade, paralelos a elegante postural dramático.

Apenas com um tom acima na exploração de um clima farsesco na cena do baile com seu referencial drag/funk  e na estilização glitter do personagem Mercuccio, embora Ícaro Silva dê uma lição de instintiva espontaneidade na sua linguagem corporal e nas variações de sua tessitura vocal. Não deixando de ter um certo eco, inconsciente talvez, do comportamental de rebeldia punk do mesmo personagem na versão 1984, de Antunes Filho.

Com incisiva exploração dos contornos bem humorados de seu papel, Stella Maria Rodrigues é uma Ama que alcança a cumplicidade da plateia. Enquanto Cláudio Galvan(Frei Lourenço) surpreende pela convicção com que assume ora um traço de compreensiva afabilidade ora uma expressão de solene autoridade religiosa.

Os protagonistas titulares – Thiago Machado (Romeu) e Barbara Sut (Julieta) revelam-se como interpretes quase inteiramente prontos para o carisma de seus personagens, com seus belos timbres juvenis, em adequada e elegante fisicalidade gestual/coreográfica (realçada por Toni Rodrigues). Onde a contínua busca de intensidade nas suas performances, por vezes, mostra lances de timidez e alguma insegurança que, certamente, serão superadas no desenrolar de uma longa temporada.

Quanto ao resto de um elenco dedicado, vale mencionar , entre outras, a competência de Kacau Gomes, Marcello Escorel, Pedro Caetano e Bruno Narchi, de maior ou menor evidência de acordo com suas entradas, falas  e cenas.

No aporte de uma  artesanal criatividade , entram os figurinos ( João Pimenta) que, mal dosados na cena do baile, são compensados em visível bom gosto nas cenas intimistas do quarto de Julieta e das cenas de amor e, exponencialmente, na sacralizada cena do casamento com suas ritualísticas capas.

Sugestionando com o desenho luminar (Monique Gardenberg/Adriana Ortiz) uma rica imagética amplificada na sua expressiva identificação com a imponente arquitetura cenográfica móvel (Daniela Thomas), num sotaque operístico a La Fura dels Baus. Integralizando, enfim, uma diferencial gramática cênica para o musical de concepção pátria.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


ROMEU E JULIETA está em cartaz no Teatro Riachuelo,Centro/RJ, sexta , às 20h; sábado, às 16h e às 20h; domingo, às 18h. 120 minutos. Até 27 de maio.

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