ÓYEME CON LOS OJOS: FLAMENCO SOB FISICALIDADE ESPIRITUAL. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

FOTOS/DAVID RUANO


Na ancestralidade que liga o flamenco às raízes mouras da alma cultural espanhola prevalece a lamentosa tessitura vocal do “cante jondo", inspiração absoluta para composições de Manuel de Falla e de poemas de Garcia Lorca.

Na pulsão de acordes de guitarra e na energia percussiva dos pés, combinada com a expressividade gestual em rodas de apelo popular arrastando todos para o frenesi de um olé coletivo.

E, desde o final do século XX, cultuado cinematograficamente no trabalho comum do bailarino Antonio Gades e do cineasta Carlos Saura, onde desponta Maria Pagés integrando como bailarina flamenca obras fílmicas como CarmenEl Amor Brujo e Flamenco.

Transmutando-se, pouco depois, a trajetória desta sevilhana em consagrada carreira internacional a partir de uma releitura singular do flamenco entre a tradição e a modernidade, em variados dimensionamentos artísticos. Como o que ela assume, unindo fisicalidade e espiritualidade, em sua primeira obra solo – Óyeme con los Ojos, numa criação estreada em 2014.

A este espetáculo, a coreógrafa e bailarina Maria Pagés quis atribuir uma nuance mais teatral através de inserções dramatúrgico/literárias, fazendo o flamenco dançar palavrasem“diálogo consigo mesmo e com a transcendência”.

A maioria de substrato poético/espiritual, indo de clássicos árabe/hispânicos - textos sufis (Rumi) e de místicos cristãos como Sor Juana Inés de La Cruz, a escritores de nosso tempo como Tagore ou o poeta uruguaio Mario Benedetti.

Ao lado de dois cantores, um guitarrista, violoncelo e violino, ela se faz acompanhar, alterativamente, por estas sonoridades vocais, instrumentais e percussivas, sob um desenho de luzes e sombras que induzem a climas monásticos/meditativos.



Evocando cenicamente um espaço celestial/terreno, místico/sensorial, não só através das mutações de um figurino com ecos das cinéticas serpentinas da bailarina Loie Fuller, dos anos iniciais da sétima arte,  às  onduláveis túnicas de Martha Graham.

Estabelecendo liames de contemporaneidade para o tradicionalismo flamenco, Pagés surpreende com a evolução expressiva dos seus movimentos de braços aliados a uma mascaração emotivo/dramática de seu rosto, ampliando as trajetórias entre o mistério e a paixão de sua performance. E conduzindo, referencialmente, na circularidade solene de seus movimentos à sacralidade da dança dos dervixes. 

Que sofre apenas um risco de quebra do clímax, no desnecessário aporte de um interregno de comicidade na progressão dramática da proposta, através de um quase invasivo esquete cênico/coreográfico ( Ay, qué calor!!!), com a participação coletiva da protagonista, cantores e instrumentistas.

Mas que tem, ainda, seus destaques nos ensimesmados cantares de Ana Ramón e nos vigorosos  improvisos cênicos  e “zapateados” de José Barrios, complementando-se a envolvência neste quadro plástico, teatral e coreográfico, no score musical ao vivo, entre o popular e o autoral(Maria Pagés/Rubén Levaniegos).

Na integralização de uma ideia estética capaz de estabelecer imediata e imersiva cumplicidade palco/plateia e confirmar as palavras de Saramago :

“Ela dança e, dançando, coloca em movimento tudo que a rodeia. Nem o ar nem a terra são iguais depois de Maria Pagés haver dançado”.
                                         
                                                Wagner Corrêa de Araújo



MARIA PAGÉS COMPAÑÍA está se apresentando em turnê brasileira, no Theatro Municipal/RJ, Teatro Alfa/SP e Sesc Palladium/BH, de 11 a 17 de maio

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