LUIGI ILLICA-UM GRANDE POETA DA ÓPERA. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Illica deixou no universo do melodrama italiano muitos dos mais belos versos e mais belas imagens que povoam aquele universo.
É comum no meio musical rebaixar o interesse pelos libretistas, poetas, escritores e demais autores dos textos das óperas, canções, peças sacras e outros artigos da espécie música cantada a um nível de dolorosa posição subalterna.
Assim, desde Petrarca, Shakespeare, Calazabigi, Heine, Chamisso, Da Ponte, Romani até Menotti e Dora Vasconcellos, todo mundo cantarola “The Willow Song” como escrita por Shakespeare ou “La donna é mobile” como escrita por Piave sem nem pensar no autor das palavras, geralmente não conhecidos.
Queremos enfocar neste artigo a figura de Luigi Illica (1857/1919), poeta e escritor avulso “scapigliato” que escreveu para Giacomo Puccini, Umberto Giordano, Alfredo Catalani e poucos outros as palavras para várias óperas, entre as quais La Bohème, Tosca, Madama Buterfly, Andrea Chernier e La Wally, na maior parte das vezes tendo a seu lado Giuseppe Giacosa, responsável por retoques métricos, questões pertinentes à relação música/libreto, propriedade cênica e operística.
Recentemente, o professor e escritor Sérgio Casoy colocou, no intróito de um magnífico livro seu sobre a ópera em São Paulo de 1952 aos dias de hoje, os seguintes versos de LA BOHÈME:
“Scialo da gran signor
Rime ed inni d´amor,
Per sogni e per chimere
E per castelli in aria
L´anima ho millionaria.”
Traduzindo: “Esbanjo como um rico senhor rimas e hinos de amor. Por sonhos e por quimeras e por castelos no ar tenho a alma milionária”.
Evidentemente a tradução para outra língua não pode dar ao leitor a mesma sonoridade e o mesmo sabor poético do original.
Note o leitor a beleza e a propriedade da seguinte imagem, também de LA BOHÈME:
“Talor dal mio forziere
Rubban tutti i gioelli
Due ladri, gli occhi belli”
Tradução: “Às vezes, de meu cofre roubam todas as joias dois ladrões, os olhos belos”.
Tenha em mente o leitor que a substância poética desses versos não acompanha certamente a onda de modernidade da poesia europeia da época da ópera. LA BOHÈME é de 1896, quando a poesia de Verlaine, Mallarmé e Rimbaud ainda era o “quid” poético europeu (ah, se o nosso Cruz e Souza fosse francês…) e quando Ezra Pound, ainda menino, estava por lançar as sementes da nova arte poética. A poesia de Illica era feita para ser cantada, e cantada em óperas italianas, assinalando-se que os italianos pouco se incomodavam com os Mallarmés da vida… Tinham eles os seus Stecchetti, Boito, Camerana, Praga e Tarchetti que ali estavam presentes física e/ou literariamente.
Assim, as palavras e as imagens criadas por Luigi Illica valem como legítima poesia e não como simples libretos a rimar “cuore” com “amore”. Illica procurava sempre as belas combinações de sonoridade em que é pródiga a língua italiana. Em ANDREA CHÉNIER: ”La luce jncerta del crepuscolo giù pe´ squallidi androni già lumeggia”. Em TOSCA: “Gl´occhi ti chiuderó con mille baci,e mille ti diró nomi d´amore”. Em MADAMA BUTTERFLY: ”Un bel dì vedremo levarsi un fil di fumo sull´estremo confin del mare”.
Atentos estejam todos. Nos exemplos apanhados “au hazard”, é evidente a busca da bela sonoridade, da perfeita combinação dos sons, do ritmo da frase.
A sepultura de Illica situa-se em um pequeno espaço gramado nos jardins fronteiros ao Castel Arquato, o qual deu nome à sua cidade natal. Na lápide e na erma, palavras de seus libretos, ao que parece algumas de suas favoritas. Em destaque, de ANDREA CHÉNIER:
“Entro il tuo sguardo l´iridescenza scerno
Degli spazi infiniti. Ti guardo: in questo fiotto verde
Di tua larga pupilla erro coll´anima”.
Tradução: “Dentro do teu olhar a cintilação distinguo dos espaços infinitos. Olho-te: neste flutuar verde de tua larga pupila erro com a alma”.
Caros leitores, este pequeno escrito tenta contribuir para maior notoriedade dentro do melodrama desse imenso poeta que foi LUIGI ILLICA. Com justiça, são lembrados sempre na libretística Lorenzo Da Ponte, Felice Romani, Ghislanzoni, Piave e Arrigo Boito. LUIGI ILLICA não é menor que nenhum deles.
Marcus Góes – março 2012
Diedi il pianto alla zolla, essa i suoi fior mi dá.
Marcus Góes (1939-2016)
É comum no meio musical rebaixar o interesse pelos libretistas, poetas, escritores e demais autores dos textos das óperas, canções, peças sacras e outros artigos da espécie música cantada a um nível de dolorosa posição subalterna.
Assim, desde Petrarca, Shakespeare, Calazabigi, Heine, Chamisso, Da Ponte, Romani até Menotti e Dora Vasconcellos, todo mundo cantarola “The Willow Song” como escrita por Shakespeare ou “La donna é mobile” como escrita por Piave sem nem pensar no autor das palavras, geralmente não conhecidos.
Queremos enfocar neste artigo a figura de Luigi Illica (1857/1919), poeta e escritor avulso “scapigliato” que escreveu para Giacomo Puccini, Umberto Giordano, Alfredo Catalani e poucos outros as palavras para várias óperas, entre as quais La Bohème, Tosca, Madama Buterfly, Andrea Chernier e La Wally, na maior parte das vezes tendo a seu lado Giuseppe Giacosa, responsável por retoques métricos, questões pertinentes à relação música/libreto, propriedade cênica e operística.
Recentemente, o professor e escritor Sérgio Casoy colocou, no intróito de um magnífico livro seu sobre a ópera em São Paulo de 1952 aos dias de hoje, os seguintes versos de LA BOHÈME:
“Scialo da gran signor
Rime ed inni d´amor,
Per sogni e per chimere
E per castelli in aria
L´anima ho millionaria.”
Traduzindo: “Esbanjo como um rico senhor rimas e hinos de amor. Por sonhos e por quimeras e por castelos no ar tenho a alma milionária”.
Evidentemente a tradução para outra língua não pode dar ao leitor a mesma sonoridade e o mesmo sabor poético do original.
Note o leitor a beleza e a propriedade da seguinte imagem, também de LA BOHÈME:
“Talor dal mio forziere
Rubban tutti i gioelli
Due ladri, gli occhi belli”
Tradução: “Às vezes, de meu cofre roubam todas as joias dois ladrões, os olhos belos”.
Tenha em mente o leitor que a substância poética desses versos não acompanha certamente a onda de modernidade da poesia europeia da época da ópera. LA BOHÈME é de 1896, quando a poesia de Verlaine, Mallarmé e Rimbaud ainda era o “quid” poético europeu (ah, se o nosso Cruz e Souza fosse francês…) e quando Ezra Pound, ainda menino, estava por lançar as sementes da nova arte poética. A poesia de Illica era feita para ser cantada, e cantada em óperas italianas, assinalando-se que os italianos pouco se incomodavam com os Mallarmés da vida… Tinham eles os seus Stecchetti, Boito, Camerana, Praga e Tarchetti que ali estavam presentes física e/ou literariamente.
Assim, as palavras e as imagens criadas por Luigi Illica valem como legítima poesia e não como simples libretos a rimar “cuore” com “amore”. Illica procurava sempre as belas combinações de sonoridade em que é pródiga a língua italiana. Em ANDREA CHÉNIER: ”La luce jncerta del crepuscolo giù pe´ squallidi androni già lumeggia”. Em TOSCA: “Gl´occhi ti chiuderó con mille baci,e mille ti diró nomi d´amore”. Em MADAMA BUTTERFLY: ”Un bel dì vedremo levarsi un fil di fumo sull´estremo confin del mare”.
Atentos estejam todos. Nos exemplos apanhados “au hazard”, é evidente a busca da bela sonoridade, da perfeita combinação dos sons, do ritmo da frase.
A sepultura de Illica situa-se em um pequeno espaço gramado nos jardins fronteiros ao Castel Arquato, o qual deu nome à sua cidade natal. Na lápide e na erma, palavras de seus libretos, ao que parece algumas de suas favoritas. Em destaque, de ANDREA CHÉNIER:
“Entro il tuo sguardo l´iridescenza scerno
Degli spazi infiniti. Ti guardo: in questo fiotto verde
Di tua larga pupilla erro coll´anima”.
Tradução: “Dentro do teu olhar a cintilação distinguo dos espaços infinitos. Olho-te: neste flutuar verde de tua larga pupila erro com a alma”.
Caros leitores, este pequeno escrito tenta contribuir para maior notoriedade dentro do melodrama desse imenso poeta que foi LUIGI ILLICA. Com justiça, são lembrados sempre na libretística Lorenzo Da Ponte, Felice Romani, Ghislanzoni, Piave e Arrigo Boito. LUIGI ILLICA não é menor que nenhum deles.
Marcus Góes – março 2012
Diedi il pianto alla zolla, essa i suoi fior mi dá.
Marcus Góes (1939-2016)
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