SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA: GOECKE E A PSICOFISICALIDADE COREOGRÁFICA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
PEEKABOO/ FOTOS -WILIAN AGUIAR |
“O medo me motiva...Mas o corpo permanece - é a tela sobre a qual estamos pintando”. Reflexão que remete à poesia, à solidão e ao caos, temáticas recorrentes na criação coreográfica do alemão Marco Goecke. Com uma das mais sólidas trajetórias inventivas na dança contemporânea e que ficou, sobremaneira, marcada em suas passagens pelo Nederlands Dans Theater e o Stuttgart Ballet.
E que, também, teve projeção no profícuo intercâmbio com a São Paulo Companhia de Dança para a qual ele concebeu, em caráter exclusivo, sua obra Peekaboo, em 2013. E, ainda, no contextual de outras remontagens pela SPCD , com Supernova (2011) e , no ano passado, o Duo Pássaro de Fogo.
Abrir, assim, a série de 3 programas retrospectivos, em comemoração aos dez anos de um dos mais importantes grupos coreográficos do país, com uma seleção de obras de M.Goecke, tem um duplo e significante conceitual artístico. Afinal, graças à SPCD, seu emblemático inventário estético chegou aos nossos palcos em retomadas nacionais, com a singularidade de uma destas criações (Peekaboo) ter sido idealizada para esta Cia, com estreia em uma de suas turnês europeias.
Revelando os sérios propósitos e os avanços estilísticos de um grupo brasileiro de dança, provocativo de sólida convivência da tradição clássica à contemporaneidade, através de obras mestras destas duas tendências. Sempre sob o olhar artesanal e o comando seguro de Inês Bogéa, via sua incrível trupe de 30 bailarinos. À diretora artística da SPCD não falta inteligente arrojo ao privilegiar, num mesmo espetáculo, três obras de um coreógrafo sob a prevalente marca criativa de reiterativa linguagem gestual, entre o automatismo simétrico e a mecanicidade nervosa.
Capaz de sequenciar, sem pausas, movimentos milimetricamente construídos, dimensionados ora para mãos e braços, ora em bruscos arranques de tronco e ombros. Construindo gesto a gesto, numa linguagem sincopada e num feeling enérgico que, ao mesmo tempo, induzem a uma expressiva exteriorização do conflitante suporte da condição humana. E que se torna perceptível num mergulho quase ritualístico da corporeidade dos bailarinos, traçada como espectros ou silhuetas numa luz entre sombras o que, segundo Goecke, representaria “tentativas de libertação”, transmutadas em solos, duos, trios e conjuntos.
Recorrendo aos folguedos da infância através do lúdico jogo do espiar (peek), na simultaneidade de súbitos desaparecimentos reencontros de pessoas em estado de espreita. E seguido da surpresa estampada nos rostos com a exclamação, de referencial titular -Peekaboo- ou, simplesmente, boo... Ampliada em acordes anotados na meninice, no processo de formação musical de Benjamin Britten, para sua Simple Symphony, aqui visceralizada na intervenção de brados adultos do coral masculino finlandês Huutajat.
Já a releitura de Stravinsky no Duo Pássaro de Fogo soa mais em compasso narrativo na convicta força interpretativa de Ana Paula Camargo (Pássaro) e Nielson Souza ((Príncipe) em elucidativo gestual, especialmente de braços, que visualizam a troca de habilidades aladas pássaro>homem, homem>pássaro. Remetendo, no sutil reflexo gestual especular, a outro duo de Goecke – Midnigth Raga, visto na última turnê do NDT 2.
Enquanto Supernova, encerrando a representação, com um score sonoro mais jazzístico, potencializa a tensão quase em ritmo de competição olímpica, onde veias e fibras parecem, no fluxo de uma pulsão quase psíquica, prestes a explodir a fisicalidade humana como uma réplica do fenômeno cósmico das estrelas “supernovas”.
Ressaltando que , na ausência de elementos cenográficos, a plasticidade do imaginário está no funcional despojamento dos figurinos(cumulativo à concepção coreográfica de Marco Goecke), enquanto o desenho de luz, fundamental às climatizações da performance, é de Udo Haberland.
Wagner Corrêa de Araújo
SUPERNOVA |
A SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA continua sua temporada retrospectiva, com mais dois programas, no Teatro Sérgio Cardoso/SP, entre quinta e segunda, em horários diversos, até o dia 08 de Julho.
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