TEMPOS MODERNOS: GRANDES MAESTROS, ABUSO SEXUAL, OSTRACISMO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

Não há dúvida de que a posição que maestros tinham de “todo poderoso” não existe mais. Isso associado ao pensamento americano expresso na hashtag #MeToo, que denuncia casos de abuso sexual, causou uma verdadeira hecatombe na vida de alguns dos maiores maestros da atualidade. Três grandes músicos que por um longo tempo, talvez para sempre, deixarão de atuar. Um banimento mais drástico e definitivo do que os maestros que foram ligados, por exemplo, ao nazismo. Todas as denúncias e todo o aparato de “ofensas” foram feitas através da imprensa investigativa americana, principalmente por dois jornais de renome, o Washington Post e o New York Times
O primeiro caso denunciado pela imprensa americana, no final do ano passado, foi contra James Levine, diretor musical do Metropolitan Opera de Nova York por 40 anos, além de ter exercido esta mesma função na Sinfônica de Boston e na Filarmônica de Munique.

O maestro James Levine
Músico excepcional que além de um excelente maestro é um pianista refinadíssimo, viu-se não só ser afastado de qualquer atividade mas levado a pagar uma altíssima multa ao Met por “indenização de danos morais”. As denúncias feitas inicialmente por quatro músicos denunciaram casos ocorridos há décadas, e fizeram com que o grande músico, hoje com 74 anos, ficasse totalmente no ostracismo.
Outro Maestro que se encontra em situação similar é o suíço Charles Dutoit, que por 25 anos foi diretor musical da Orquestra de Montreal, e que estava ligado ultimamente à Orquestra Filarmônica Real de Londres.

O maestro Charles Dutoit
Ex marido da grande pianista argentina Martha Argerich, Dutoit é uma referência mundial em termos da interpretação dos compositores franceses e de Igor Stravinsky. Aos 84 anos foi acusado por uma jornalista investigativa americana, Jocelyn Gecker da Associated Press. Denúncia americana, ostracismo mundial. Em dezembro de 2017 foi demitido da Filarmônica Real.
O mais recente escândalo estourou no início deste mês de agosto, através do jornal Washington Post. Duas jornalistas, Anne Midgette e Peggy McGlone, causaram um enorme estrago na carreira do maestro italiano Daniele Gatti. As jornalistas extraíram denúncias de algumas mulheres que alegam terem sido molestadas pelo maestro nos Estados Unidos. Gatti, que era Diretor musical da Orquestra do Concertgebow de Amsterdam, foi sumariamente demitido há dez dias. O #MeToo fez mais uma vítima.

Daniele Gatti
Não há dúvida, novos tempos, novas maneiras de agir. Mas o que diria o movimento #MeToo, por exemplo, do íntimo relacionamento que Gabriel Fauré, o grande compositor francês, teve com a pianista brasileira Magda Tagliaferro quando ela era ainda menor de idade e quando ele tinha 65 anos, no início do século XX. O que o #MeToo falaria dos assédios comuns nos tempos de Toscanini e Furtwaengler. Tomando o caso de James Levine, poucos maestros foram tão poderosos como ele. Será que em nenhum caso alegado não havia intenção do denunciante de “subir na vida”? Minha única certeza, eu que já tive o privilégio de assistir diversas vezes estes três grandes músicos atuando, é que o tal do “politicamente correto” privou o mundo de três dos maiores músicos interpretes do nosso tempo. À guisa de conclusão uma história ligada a uma das maiores cantoras líricas da atualidade, a sueca Anne Sophie von Otter.

Anne Sophie von Otter depois do suicídio do marido
Um jornal a chama de “viúva #MeToo”, isso porque seu marido, que era diretor teatral, Benny Fredriksson, foi acusado de ter assediado sexualmente algumas mulheres. O caso, propalado em diversos jornais, foi desmentido, mas nesse meio tempo uma severa depressão o levou à morte. Palavras da grande cantora, depois da morte de seu marido: “Nós temos lados bons e ruins, mas não vivemos mais na idade média. Por que prender alguém numa estaca em praça pública, cuspir e apedrejar? ” Depois do suicídio do marido ela afirmou: “Isso (“#MeToo”) pode destruir uma pessoa”.
Osvaldo Colarusso

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/tempos-modernos-grandes-maestros-abuso-sexual-ostracismo/

Comentários

  1. Muita gente parece não compreender que canalhas também podem ser grandes artistas e pessoas simpáticas podem ser medíocres e vice-versa.Richard Wagner é um exemplo clássico;como pessoa não valia nada e sua "filosofia" é uma coleção de absurdos,mas não há como não reconhecer sua grandeza como artista.Na verdade a filosofia de um artista e seu caráter moral não importam nada.São campos separados e sejamos justos,dando "a César o que é de Cesar".Caso similar é o das minorias,faço parte de uma e caso não fizesse,minha vida teria sido infinitamente mais fácil,só que devemos combater os prejuízos na sociedade,a arte não é o terreno principal para se travar essa luta.Muita gente já ficou chocada quando disse que não sou obrigada a gostar de um artista só por ser LGBT.Deram o cargo mais importante no nosso meio musical para uma mulher,Marin Alsop,mas não poderiam ter achado uma mulher mais competente?Na época em que a mesma foi contratada ,só se falava no fato de ela ser mulher,nada de como ela é como regente.Digo essas coisas sendo eu tão efeminado quanto Marin Alsop é masculinizada,disseram na VejaSP que ela era parecida com o Michel Teló ,para ficar no terreno caipira também me comparam ao cantor Wesley Safadão quando ele era mais jovem e tinha cara de mulher.Só que nesse caso da nossa maestrina essa questão feminina foi usada para encobrir o que ela realmente era como artista,nem falo do salário gordo que pagam para a gringa.Que venham maestrinas masculinizadas ou femininas,mas que tenham algo a dizer como artistas.


    Outro caso é o do velho Neschling,famoso por suas polêmicas ao contrário da diplomática Alsop,uma pessoa com certeza mais afável,pude inclusive falar pessoalmente com ela que "muito poucos regentes americanos se interessam por música brasileira ou latino-americana".As pessoas que ocupam postos elevados aqui no Brasil não deixam a gente nem chegar perto deles,aliás já fui muito menosprezado por gente que não é ninguém.Portanto,tenho que reconhecer esse lado democrático de Alsop ao mesmo tempo que reconheço também que não me agrada muito o resultado que ela extrai da OSESP.Sempre achei que a americana se sai melhor com as grandes orquestras que rege pelo mundo afora.Já o Neschling é um disciplinador,o que se reflete muitas vezes na rigidez de interpretações como a dos Choros n.6 de Villa lobos frente aos modos fluidos,condução leve,flexível e dançante da interpretação de Fabio Mechetti com a Filarmônica de MG para a Naxos.De uns tempos para cá,lançaram no mercado vários discos com obras de Respighi conduzidos por Neschling e a regência dele está muito mais sutil e flexível agora do que quando gravou a Trilogia Romana desse compositor com a OSESP 10 anos atrás.As gravações da suite do balé "Belkis,Rainha de Sabá",abertura Belfagor e Vitrais de Igreja estão entre as melhores
    disponíveis dessas obras injustamente pouco interpretadas.Só que os críticos profissionais deste país,bajuladores inveterados que são,não comentam nada,não pelo fato do maestro ter fama de mal,mas pelo fato de ele não ocupar mais cargo importante por estas bandas...Isaac Carneiro Victal.

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  2. Uma coisa que não vejo ninguém falar é que assim como a política não é uma atividade moral,galgar altos postos em geral é coisa para raposas velhas.Os melhores sempre são perseguidos.Basta conhecer a história de vida da maioria das cabeças geniais da humanidade para saber que raríssimas vezes eles são bem recebidos quando apareceram.A posição de maestro tem muito de política tanto quanto de arte.Karajan era como político um oportunista e não tinha escrúpulos,tinha um repertório limitado e conservador mas basta ouvir sua gravação do Otello de Verdi com Del Monaco e Tebaldi para saber que ninguém tinha as ideias que ele tinha quando decidia gravar uma obra-prima dessas,ao mesmo tempo ele defende essas concepções da partitura com tanta eloquência,que grita para chamar a nossa atenção.Podemos gostar ou não gostar do resultado,mas não dá para dizer que se trata de uma interpretação corriqueira.Para mim esses 3 maestros que caíram em desgraça só agora depois de velhos nunca tiveram essas características.São figuras que estão sempre no circuito das grandes orquestras mas nunca mostraram nenhuma visão original ou interpretação sublime de nada.Pierre Monteux possui um repertório parecido com o dos 3,era um dos poucos grandes maestros daquela época de quem os músicos realmente gostavam.Era uma pessoa adorável.Suas gravações dos anos 50 de Ravel e Stravinski batem de frente com as modernas versões muito mais corriqueiras desses 3 diretores em questão.O Ravel de Dutoit é brando e de cores opacas perto do de Monteux.Petrouchka na versão do francês,o maestro que estrou a obra,está saltitante,na versão do italiano Gatti a pantomima perde toda graça.O melhor deles para mim é o Levine,que gravou muito e deu muitos concertos.Comparem a Aída do americano,que regeu esta obra inúmeras vezes,com a extravagante versão de Harnoncourt.Realmente a versão do MET parece uma Aída como já se ouviu tantas vezes e a versão do austríaco me soa como uma Aída como nunca se ouviu antes.Sorte do Colarusso que já ouviu os 3 ao vivo.Gostaria de ter tido essa oportunidade,mas julgando pelas gravações os 3 parecem intérpretes corretos e só para mim.Por fim,essa postura chave de cadeia no nosso meio artístico eu desaprovo.Já basta o nosso presidente e seus seguidores com esse discurso "bandido bom é bandido morto".Sou a favor tanto de escrachar e fazer escândalo caso uma mulher ou um menino menores de idade sejam violentados comprovadamente quanto a concepção de que ter cometido um crime não elimina a humanidade de ninguém.A esquerda inclusive não deve cair nessa e evitar esse discurso chave de cadeia do Bolsonaro.Vou deixar bem claro,se defendo até o direito de qualquer pobre diabo que está preso nas terríveis masmorras brasileiras exercer uma profissão e ter sua integridade respeitada,o que dirá desses 3 maestros que se não são geniais tampouco devem ter sua dignidade como seres humanos aviltada.Isaac Carneiro Victal.

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