A MODA DE JULGAMENTO DE INTERPRETAÇÕES MUSICAIS POR GRAVAÇÕES. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


   Tenho repetido aqui neste e em outros sites, blogs, jornais e outras publicações que não se deve julgar edições e interpretações musicais por gravações de nenhuma espécie.
   Insisto em que a verdadeira experiência musical e as verídicas fruição e captação da música só podem ocorrer com audição ao vivo, na sala de concertos ou em qualquer outro lugar apropriado.
Virou uma nefasta moda serem publicadas críticas de CDs ,DVDs,vídeo-tapes, áudio-cassettes, cópias particulares, edições piratas e tudo mais, como se o que se ouve nos aparelhos fosse a música na sua plenitude e principalmente como se aquilo fosse a verdade musical.
Não é possível negar o valor e a importância das gravações na história de música, mas gravação é uma foto da música, muitas vezes retocada. Vamos a um exemplo que dará a todos os menos experientes neste tema uma visão mais nítida do assunto.
O célebre pianista Glenn Gould, perfeccionista como ele só, fazia suas gravações com muitos microfones móveis, alguns deles pendentes de um longo fio esticado a um ou dois metros acima do piano. Quando Gould queria dar realce à mão esquerda, o microfone acima do lado esquerdo do piano descia meio metro ou mais. Na gravação, o resultado era um maior volume nos graves da mão esquerda. E assim por diante.
Exemplos conhecidos são as intervenções do regente Herbert Von Karajan nos estúdios de edição de suas gravações. Se ele – Karajan – achasse que uma intervenção solo de uma clarineta não estava boa, gravava-se o trecho outra vez ou outras vezes, e o técnico do laboratório fonográfico inseria a gravação escolhida exata e imperceptivelmente no local devido. Karajan era conhecido como um grande técnico nos estúdios de edição das gravações. Em óperas por ele regidas para a DGG e outros selos, a substituição de trechos, principalmente os cantados, ou a simples substituição de uma nota, eram coisa de rotina.
Nas gravações de concertos para violino e orquestra ocorre geralmente que, sendo o violino um instrumento de som não tão volumoso quanto um trombone, são colocados microfones e aparelhos de amplificação próximos ao violino. É por isso que muitas vezes um ouvinte escuta em casa uma gravação de um concerto para violino e orquestra, ouve tudo, inclusive o violino, nos “tutti” e nos confrontos, e depois fica decepcionado na sala de concertos porque ao vivo não ouve o violino como nas gravações.
Este que escreve já teve oportunidade de ver uma ópera no Metropolitan de NYC na qual o barítono tinha voz pequena. Pois bem, poucos anos depois viu em vídeo uma gravação da mesma récita a que assistira, e o mesmo barítono estava com uma voz enorme. Microfones, meu caro leitor. Laboratórios fonográficos. Isso existe desde os tempos em que os editores de gravações em 78 rpm mandavam modificar a rotação nas transposições do original para as cópias para tornar certas vozes mais agudas…
Outra vista e ouvida por mim: em 1994 o tenor Placido Domingo cantou IL Guarany, em Bonn. No final do primeiro ato, há uma nota superaguda opcional para o tenor, naturalmente evitada por Domingo, tenor reconhecidamente “curto” (de voz não muito extensa). Pois na gravação lá está a nota superaguda, fantasmagoricamente surgida em espantoso milagre. Laboratórios, meus amigos, edições, monitoramentos…
Conta-se que o célebre pianista polaco/americano Josef Hofmann, por ter as mãos pequenas, fazia suas gravações em um piano especial de teclas mais estreitas, feito sob medida para ele … Que valor terão essas gravações?
Assim, o remédio, já que não vamos deixar de ouvir músicas mecanicamente reproduzidas, é distinguir a verdadeira música, que só existe ao vivo, da música em gravações de qualquer tipo, situando-as em campos diferentes. Que ninguém mais diga “ontem ouvi a Eroica com o Karajan” quando essa audição tenha ocorrido na TV da sala de jantar, mas que se diga “ontem ouvi uma gravação da Eroica etc…”.
Certos leitores (se houver…) dirão que este artigo é preciosista, que é antiquado, que é fora da real. E é mesmo. Gosto mais da Immacolata de Murillo voando com os níveos pés em cima do crescente que das diatribes e facécias de Dali…
MARCUS GÓES (1939-2016)

Comentários

  1. Esses truques não ficam apenas nisso,todos sabem do uso do "playback" em música popular.Pois bem as empresas Unitel e Telemondial,a primeira famosa pelos filmes de ópera dirigidos por Jean Pierre Ponnelle e Franco Zefirelli e dos concertos gravados com Bernstein,Karajan e Harnoncourt e a segunda um empreendimento pessoal de Karajan.Gravavam os vídeos depois de gravarem o audio previamente em estúdio e colocavam muitas câmeras durante a gravação dos filmes para conseguir ângulos inusitados da orquestra,impossíveis de serem registrados num concerto ao vivo.Chegaram a extremos,inspirados talvez no filme Fantasia de Walt Disney,na gravação da Sinfonia Fantástica de Berlioz com a Orquestra de Paris e Karajan,onde usam um estúdio para gravar o vídeo com vários jogos de luzes coloridas e sombras.O que ouvimos é uma gravação,os músicos parisienses,berlinenses ou vienenses sob a direção de Karajan estão executando uma variação instrumental do "lip sync".Esses músicos de orquestra adoravam fazer esses vídeos,pois ganhavam muito dinheiro com isso.Algumas vezes esses vídeos tinham erros de continuidade sérios,cito o caso do Oratório de Natal de Bach por Harnoncourt com Peter Schreier e Robert Holl,muito procurado no YOUTUBE nessa época do ano.Os querubins do coro Tolzer estão muito inquietos durante toda a peça,por nada seguravam no lugar esses meninos,é componente do coro que entra,componente que sai,trocam de lugar,ao longo da obra vamos ficando até confusos.

    Mas os concertos de orquestras de primeiro time a que tive oportunidade de assistir não me decepcionaram em nada em comparação aos discos que ouço gravados por eles.Os melhores concertos orquestrais a que pude assistir foram da Filarmônica de Viena e da Orquestra do Festival de Budapeste.Muitas das qualidade que eles exibem em gravações,como contrates absurdos de dinâmica,andamentos acelerados ou lentos de acordo com o que o regente pede sem perder a direção,perfeito equilíbrio entre as diferentes seções da orquestra mesmo nos tutti etc tudo isso eu ouvi ao vivo também,inclusive até fiquei pasmo quando ouvi o Concerto em Sol de Ravel com o pianista Alexander Toradze e os músicos húngaros após a OSESP ter tocado essa obra com Javier Perianes.Incrível como o maestro Ivan Fischer no fazia ouvir detalhes da fantástica instrumentação de Ravel que ficaram totalmente encobertos na versão de Dausgaard/Perianes com a OSESP.Até a acústica da Sala SP parecia diferente com os húngaros,embora notei que os painéis do teto pareciam estar na mesma posição nos 2 concertos,mas não tenho absoluta certeza disso.


    Também hoje em dia estão a lançar muitas gravações ao vivo"piratas" de grandes artistas do passado,liberadas depois que eles morreram na maioria das vezes,revelam muitas das autênticas imperfeições dessas figuras,realizadas quase sempre por estações de rádio públicas e que muitas vezes saem por selos menores e vão parar no YOUTUBE ou SPOTIFY.No Japão,onde a acústica das salas é fantástica,desde a construção do NHK Hall nos anos 70 a empresa Nagata Acoustics vem fazendo maravilhas,os técnicos de gravação lá também são ótimos,pois bem existe todo um mercado já de gravações feitas ao vivo por grandes artistas que hoje graças ao YOUTUBE e ao SPOTIFY qualquer melômano atualmente pode ter acesso.Isaac Carneiro Victal.

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  2. Também não devemos ignorar as respostas que esses artistas deram aos críticos que sempre falaram essas coisas que o velho Nabucondonosor dizia neste texto.Basicamemte,no caso de gravações altamente processadas com artefatos de estúdio como as gravações de ópera de Karajan,a resposta era de que a engenharia de gravação também se constituía numa atividade não apenas técnica mas também artística,usando meios artificiais no intuito de obter resultados falsos talvez mas buscando uma versão mais perfeita e idealizada do trabalho do artista,assim como por exemplo os pintores do passado representavam os nobres e pessoas importantes nas pinturas,realçando o melhor e escondendo as imperfeições.Um exemplo musical é a última gravação operística de Karajan,um Ballo de Verdi com Plácido Domingo no qual o tenor,famoso por fazer força para alcançar os agudos e alvo constante de críticas desse Marcos Góes,está cantando em pianíssimo muitas vezes,como na cena final.Esta é a única gravação deste cantor em que ele demonstra tanto controle assim das dinâmicas,mas parece óbvio que não é uma questão de microfones mas sim uma decisão interpretativa do regente.Também em estúdio pode-se parar quantas vezes quiser para estudar o que fazer,descansar,beber água e se preparar ao máximo para quando for gravar dar o melhor de si.


    É falsa essa afirmação essa de que solistas ao vivo não são ouvidos tão claramente em meio à massa orquestral como numa gravação.Ouvi uma soprano de nome Gun-Brit Barkmin cantando o final da ópera Salomé de Strauss na Sala SP com a Osesp e ela sabia se fazer ouvir muito bem,embora nunca sua voz parecia encher a sala,o timbre era feio e o vibrato horrível.O destaque nesse dia vai para orquestra que conduzida pelo mesmo Dausgaard já citado esteve ótima.Por outro lado,assisti um recital de um tenor ligeiro no mesmo recinto,se trata de Javier Camarena,e quando ele soltava a voz como por exemplo na ária "Ah! mes amis" de Donizetti parecia encher a sala,só que o timbre dele era muito claro e puro,típico de tenores mozartianos e rossinianos.Também assisti a um concerto da violinista americana Rachel Barton Pine com a Filarmônica de Minas e era notório como ela conseguia projetar o som do seu violino claramente diante da orquestra,seus ataques muitas vezes reverberavam pela sala.O maestro Mechetti também equilibrou muito bem o som do ensemble.


    É preciso dizer que mesmo Karajan tendo um passado nazista,tinha uma visão muito mais democrática da arte musical que o Nabucco nesse texto,pois este sabe-se que este último tinha dinheiro para circular pelas grandes salas de concerto e teatros de Ópera da Europa e Estados Unidos.Fazia questão de ostentar isso aos quatro ventos.UM VIVA AS GRAVAÇÕES QUE PERMITEM QUE QUALQUER UM TENHA ACESSO A TUDO!Esses artistas criticados por Marcus Góes além do fato de usarem truques de estúdio e gostarem de ganhar dinheiro,tinham real engajamento na facilitação do acesso à arte musical.Esse texto do Nabucco revela uma posição elitista e esnobe sobre o acesso à arte.Isaac Carneiro Victal.

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  3. Particularmente sou a favor de se explorar ao máximo todos os recursos técnicos disponíveis no intuito de facilitar a difusão da arte.Num outro extremo,regentes como o romeno Celibidache se recusaram a fazer gravações comerciais,mas o que pouca gente sabe é que antes de oferecer um concerto esse maestro ensaiava à exaustão as peças para tudo sair do jeito que ele queria no dia,ao ponto de solistas como Anne-Sophie Mutter abandonarem os ensaios no meio e as orquestras iniciarem rebeliões contra o maestro e seus intermináveis ensaios,o diretor ainda ofendia os músicos abertamente.Adoro algumas gravações de Celibidache,como uma improvável excelente nona de Shostakovich em Munique,esses registros foram feitos pela rádio e lançados depois que ele morreu.Esse regente devido ao seu temperamento quase nunca regeu ópera e os músicos das orquestras nas quais ele foi diretor musical deixaram de ganhar muito dinheiro por não realizarem gravações comerciais.Isaac Carneiro Victal.

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  4. Sem dúvida nenhuma, gravação é gravação...gravações são fósseis musicais, são importantíssimas, porém jamais substituirão a experiência de uma sala de concertos ao vivo. Outro ponto a ser considerado: Microfones, a partir do momento que os mesmos são utilizados já não temos mais a experiência real da música.

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