BALLET DA CIDADE DE NITERÓI – MODO SLEEP : PARA REIMAGINAR UM CLÁSSICO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


FOTOS/LEO ZULLU
Releituras de clássicos da dança, com o olhar armado numa frente vanguardista de reinvenção, se tornaram lugares comuns e marca estética de alguns criadores da dança contemporânea. 

Entre estes, o inglês Matthew Bourne que fez de suas versões do tríduo coreográfico -composicional de Tchaikovsky – Quebra Nozes, Lago dos Cisnes e Bela Adormecida – concepções pra lá de ousadas, ora celebradas pela crítica mais antenada no novo, ora repudiadas pelo público menos aberto a quaisquer desconstruções no establishment artístico.

Afinal, ele subverte de maneira radical os enredos, recria personagens e desconstrói o contexto temático dos contos infantis inspiradores destas obras. Indo longe numa reescrita imaginária, em narrativas que chegam, inclusive, a insinuar climas de sexualidade, perversão e luxúria.

Agora, o Ballet da Cidade de Niterói, na representação da coreografia Modo Sleep, versão livre para o conto original de Perrault, tem um ponto de contato com a proposta gótica de Matthew Bourne para a sua Bela Adormecida, de 2011.

Desta vez, por um ascensional nome da mais recente geração coreográfica brasileira, o paulista Alex Soares, que vem focando seu oficio criador na linha da vídeo-dança, ampliando seu universo cênico no cruzamento das linguagens plástico-cinéticas, sem deixar de lado o insert da escritura dramatúrgica.

Mas, aqui, com diferenciado avanço na sua desconexão do substrato narrativo e da literalidade de um relato de fantasia, fazendo prevalecer o dimensionamento psicológico. Traduzido em energizada fisicalidade e no élan sensorial de cada gesto apreendido no entremeio das tessituras video-projecionais.

A ideia de incluir no repertório da Companhia de Ballet de Niterói mais um trabalho de Alex Soares, sob o formato de um espetáculo autoral integralizando dança, teatro e cinema, foi do diretor da Cia. - Fran Mello.  O que, de certa maneira, num contexto não exclusivo de virtuosismo coreográfico, evita o risco da exposição de 24 bailarinos de um elenco de variadas gerações em performances mais exigentes.

Com montagens abertas à representação tanto de intérpretes em forma total, como à possibilidade de enquadrar outros integrantes em papéis mais miméticos e teatrais. Um problema que hoje vem engessando as companhias oficiais sujeitas ao rigorismo antiartístico das mesmas regras de ascensão funcional do serviço público.

Em paisagem cênica abstrata (Natalia Lana), sustentada nos efeitos luminares/ambientais (Paulo Cesar Medeiros), na envolvência interativa palco/plateia de espectros e fog invasivo. Sob sonoridades que mixam acordes e leitmotiv, originais da partitura de Tchaikovsky, com sonoridades eletro acústicas, de lavra do próprio Alex Soares.

Onde os figurinos atemporais, de Su Tonani, mixam elementos contemporâneos a caracterizações tradicionais de personagens fabulares do original literário-coreográfico, embora sujeitando-se a um certo desequilíbrio no confronto de estilos indumentários.

E numa assumida mascaração dos bailarinos, lembrando a Cinderella da Maguy Marin para o Ballet de Lyon em 1989, mas aqui  não identificando-se como bonecos da infância, ao aproximar-se de um senso devisagismo inquisitorial, como possíveis “máscaras capuzes” de abafamento de nossas identidades. 

Sugestionando, enfim, o adormecimento das pulsões e desejos, em Modo Sleep, enquanto é aguardada a hora mágica de um “beijo” que os despertará. Em necessária lição de resistência para tempos de acirramento do preconceito contra a liberdade de abrir os olhos às nossas próprias verdades.

                                                Wagner Corrêa de Araújo

BALLET DA CIDADE DE NITERÓI - MODO SLEEP está em cartaz no Sesc/Copacabana ( Mezanino), de quinta a domingo, às 20h. 70 minutos. Até 31 de março.

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