O CASO MAKROPULOS : PRESENTE OPERÍSTICO EM TEMPORADA DESÉRTICA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
FOTOS/ HELOÍSA BORTZ |
Em tempo nebuloso para montagens operísticas nos palcos brasileiros, há que se ressaltar o belo esforço do paulista Theatro São Pedro que vem resistindo, regular e qualitativamente, com temporadas líricas anuais na contramão dos nossos mais tradicionais templos de ópera.
Com um diferencial na escolha do repertório que não se limita à reiterativa tendência de privilegiar apenas o que seja de fácil apelo ao gosto popular mas procurando inovar com obras praticamente inéditas ou raras em montagens nacionais. Ora em retomadas barrocas ora em exemplares releituras cênicas com o olhar armado na contemporaneidade.
Depois de apresentar, ano passado, Kátya Kabanová, agora é a vez de outro emblemático exemplar do penúltimo inventário composicional do tcheco Leos Janácek com O Caso Makropulos, de 1926, sob o ideário estético de André Heller-Lopes, com direção musical de Ira Levin.
Vista, aqui, apenas em formato de concerto cênico no Municipal carioca. E que, em seu referencial dramatúrgico a partir de uma peça de seu contemporâneo Karel Capek, precede a sombria versão Da Casa dos Mortos, com substrato dostoievskiano e estreada, post mortem do compositor, em 1930.
Há uma particularidade na proposta de Janácek que, ao tomar como modelo a peça de Karel Capek, acabou surpreendendo o próprio dramaturgo que considerava ante operística uma trama, quase um thriller científico, em torno de demandas jurídicas seculares de um caso de inventário.
Ao qual se acresce um sotaque novelesco de mistério alquímico sobre uma cantora de ópera, de sobrevida tricentenária mas sob risco, com a perda da fórmula de prolongamento existencial inscrita em documento secreto.
Através de personagens que remetem ao presente e à ancestralidade tendo como fio filosófico condutor o fatalista processo terminal da vida humana diante da velhice e da morte. Onde Emilia Marty (soprano Eliane Coelho), em seu protagonismo mor, é confrontada pelos personagens que conduzirão ao desfecho do mistério.
Representados nos principais papéis pelo tenor Eric Herrero, como Albert Gregor, o pretenso herdeiro em disputa com o Barão Prus (barítono Michel de Souza), o advogado Dr. Kolenaty (baritono Vinicius Atique), além do escrivão Vitek (tenor Giovanni Tristacci) e sua filha Krista (mezzo soprano Luísa Francesconi).
Com funcional paisagem cênica (Renaldo Theobaldo) ladeada por escadas móveis em planos distintos sugestionando um escritório, uma caixa cênica vazia e um quarto de hotel. Sob luzes (Fábio Retti) ambientalistas em tons claro-escuro e indumentária (André Heller) com sutil recorte de época.
A Orquestra do Theatro São Pedro, nas competentes mãos de Ira Levin, avança nas harmonias modernistas da partitura de Janácek. Longe da recorrência folclorista tcheca de seus antecessores Dvorak e Smetana, mas não radicalizando em invenções atonais. Embora prevaleça uma rudeza quase dissonante de acordes intermediados, para acompanhamento musical de vozes, num quase recitativo por suas modulações teatrais.
Onde a unicidade de um elenco de onze cantores-atores alcança seu mais prevalente desempenho com a soprano Eliane Coelho. Em passagens mais contidas sensitivamente na linhagem vocal de cromatismo áspero dos dois primeiros atos, para explodir apoteoticamente no alcance dramático-vocal da última cena.
Sem deixar de destacar as atuações do tenor Eric Herrero com uma tessitura melódica mais lírica em papel de predominância galante. No contraponto da menor possibilidade oferecida pelo papel de Luisa Francesconi para dar vazão à sua habitual potencialidade como mezzo soprano.
Além das convictas performances baritonais de Michel de Souza e Vinicius Antique, este último uma das gratas revelações da mais nova geração de cantores líricos do país.
Tudo integralizando, via elogiável montagem, a intenção de resistência a favor da ópera em moldes brasileiros.
Tudo integralizando, via elogiável montagem, a intenção de resistência a favor da ópera em moldes brasileiros.
Wagner Corrêa de Araújo
O CASO MAKROPULOS esteve em cartaz no Theatro São Pedro/SP, com seis récitas, de 16 a 23 de junho, dando continuidade à sua Temporada de Ópera 2019.
Crítica bastante pertinente, senti praticamente o mesmo que o autor, ao assisti-la por duas vezes.
ResponderExcluirvi a valeu muito a pena...foi incrível....
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