TERRA DE GIGANTES: ARNALDO COHEN, FLO MENEZES E VALENTINA PELEGGI EM MONUMENTAL APRESENTAÇÃO COM A OSESP.
A OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) apresentou nos dias 13,14 e 15 de Junho "TransLieder – Onze Canções de Johannes Brahms com Duas Dobras Transcriadas Para Soprano, Contralto e Orquestra". A obra monumental de Flo Menezes foi uma grande surpresa. Conhecia-o apenas de nome, como compositor extremamente contemporâneo e experimental. Esperava uma barulheira que os descolados chamam de "moderna". Quebrei a cara, o compositor mostrou que tem domínio do metier, Flo compôs 11 transcrições (ou transcriações como Flo prefere chamar) para orquestra e voz de 11 Lieders de Brahms para piano e voz. Impressiona como as transcriações ficaram no mesmo nível estético da obra original de Brahms, fluindo organicamente como uma nova obra, originalíssima.
A inspiração Mahleriana é clara nas trancriações. Metais com influência do compositor alemão, e ao mesmo tempo originais. As cordas nos remeterem a linguagem orquestral do próprio Brahms. Percebe-se a elaboração cirúrgica da escritura musical em cada Lieder “transcriado”.
Flo tem cuidado especialíssimo com cada uma das peças, infiltrando elementos e instrumentos não convencionais as grandes obras da música erudita sinfônica. Nos brinda com o seu carimbo e seu estilo pessoal utilizando um experimentalismo textural e harmônico (a la Luciano Berio e Stockhausen) em pequenas porções em alguns dos “Lieders”. Desta maneira citada anteriormente, Flo não abre mão de sua vertente artística, mas usa sua inteligência para não assustar a plateia careta e conservadora que costuma frequentar os concertos da Osesp.
Realmente, foi uma grata surpresa! Desta vez o Arthur Nestrovski acertou! E quando acerta reconhecemos. Ninguém aguentava as balbúrdias e colcha de retalhos composicionais de André Mehmari quase todos os anos na Osesp. É incomparável a diferença de talento e preparo técnico entre um compositor como André Mehmari e Flo Menezes.
Para obra de tal envergadura a regente Valentina Peleggi extraiu da orquestra excelente sonoridade, com andamentos compatíveis com as ideias do compositor. Escalou duas excelentes cantoras. Ana Lucia Benedetti: mezzo-soprano entregou uma voz lírica e emotiva com diversas nuances no timbre, mostrou-se excelente. Ludmilla Bauerfeltdt: soprano tem voz de bons graves, escura e densa, faltou extensão vocal. Ambas deram conta do recado e transmitiram as emoções contidas na partitura. Ao final da obra, o público reconheceu o talento de duas cantoras da nova geração.
A segunda parte do programa ainda nos reservava como diz o rei Roberto Carlos "muitas emoções". O prestígio e a eficiência do pianista Arnaldo Cohen são sempre fatores que levam a lotação de qualquer teatro. Apresentou uma versão arrebatadora do segundo concerto para piano de Liszt e uma solene e intimista interpretação da magistral "Cachonne" de Bach/Busoni (piano solo).
Arnaldo tem potência e qualidade sonora ímpar. O pianista sabe exatamente tudo que está fazendo, juntando um equilíbrio formal a fortes contrastes de dinâmicas. O mesmo concilia forte expressividade e virtuosismo a uma técnica refinada, perfeita e elegante.
Cohen e Nelson Freire são indiscutivelmente nossos maiores pianistas. Nelson Freire encanta a plateia, deixa o púbico anestesiada dentro de clima místico com seu som aveludado. Já Cohen, deixa a plateia eletrizada e radiante. Pianistas de estilos completamente diferentes, com qualidades inigualáveis por nenhum outro brasileiro há muitas décadas.
A regência firme de Valentina Pellegi, colaborou muito na precisão das finalizações das rápidas frases entre orquestra e solista. Ambos terminavam exatamente juntos em momentos complicados de junção. À medida que o pianista fazia seus crescendos e fortíssimos, a orquestra entrava na mesma vibe, fazendo assim fluir naturalmente um caleidoscópio de emoções entre ambos e o público. No final, a plateia praticamente uivava pedindo bis, e fomos brindados com uma transcrição virtuosística para piano solo da opereta "O Morcego", obra prima de Johan Strauss.
Como crítico e geógrafo, como costumava alfinetar meu velho e esquecido “amigo” Joninho Neschiling (às vezes sinto sua falta), vejo que a plateia saiu deste concerto de alma lavada. O público aplaudiu de pé a genialidade de dois gigantes brasileiros de primeira grandeza, como Arnaldo Cohen e Flo Menezes, além do evidente amadurecimento de uma grande e jovem regente, Valentina Peleggi.
Foto: Flo Menezes [Divulgação / Chello - Unesp, Valentina Peleggi, foto Internet e Arnaldo Cohen , Foto Internet
Após ter falado horrores do concerto com o regente romeno Macelaru,um ótimo diretor mas cuja apresentação com a OSESP foi lamentável,só nos resta aplaudir essa apresentação da semana passada.Da minha parte estava já com pouco interesse em acompanhar a temporada dessa orquestra,mas dado o arranca-rabo recente,mesmo morando fora de São Paulo me imponho a obrigação de tomar conhecimento de tudo e escutar pelo rádio a orquestra para não ser injusto com ninguém.
ResponderExcluirFoi muito feliz a empreitada de travestir um punhado de canções de Brahms com novas harmonias,citações e orquestrações como fez o Flo.Principalmente quando as novas harmonizações são tão criativas,as orquestrações mostram uma variedade de timbres que denota um conhecimento real das possibilidades da orquestra(incluindo instrumentos pouco "orquestrais" como acordeão,saxofone e violão) e as citações aparecem não enfiadas ali de qualquer maneira,mas muito bem adequadas ao conceito que o compositor nomeou de TransLieder.Pessoalmente admiro pessoas com a imaginação para transpassar limites entre mundos tão diferentes,como entre a música atual e o mundinho de Brahms,em seus tempos visto como compositor conservador,que compunha nas formas clássicas em oposição aos loucos Wagner,Berlioz e Liszt.Notei que a obra exige uma outra maneira de cantar essas peças,no intuito de equilibrar o volume das vozes com as novas orquestrações por exemplo.
Muito interessante tocarem na mesma jornada outras duas transcrições,uma de Berio e outra de Busoni,da obra do venerável Bach.Havia um conceito bem interessante por trás da elaboração do programa.Ainda convidaram o meu pianista brasileiro favorito,Arnaldo Cohen, que deu mostras de grande virtuosismo em todas as 3 obras que executou,inclusive o bis,nesta ocasião uma paráfrase de temas da deliciosa opereta O Morcego de Strauss.
O curioso foi programarem uma obra como essa de Liszt,pouco tocada,de uma originalidade tamanha que me arrisco a dizer que a mesma inovação ousada por Berlioz no campo sinfônico com a Sinfonia Fantástica podemos identificar nesse Concerto para piano n.2,em se tratando de peça para solista e orquestra.Como o próprio criador desta obra-prima se expressou,"novos vinhos precisam de novas garrafas".As inovações formais desse concerto podemos dizer a longo prazo libertariam os compositores de todas as regras clássicas,não apenas no que diz respeito à forma mas também em se tratando da harmonia e do ritmo.As formas do classicismo vistas à distância parecem terem sido concebidas para se evitar o surgimento de um Schoenberg ou um Stravinsky.
Não é possível ignorar o papel desempenhado por Valentina Peleggi no sucesso total que foram essas apresentações.Foi a melhor coisa que a Alsop fez nesses anos todos foi trazer essa mulher para cá(não encontro melhor definição para essa jovem maestrina,assim como defino Fabio Mechetti como um maestro com todas as qualidades de John Neschling,mas sem os defeitos)não dá para dizer que a americana não sabe reconhecer jovens talentos da regência,ela se não me engano oferece uma bolsa de estudos,por ex. uma diretora que já veio aqui para reger a OSESP chamada Marzena Diakun também já recebeu essa ajuda,como a Peleggi.A italiana está oferecendo resultados muito melhores que muitas estrelas que aparecem para conduzir a orquestra paulista.Tudo que apontei no concerto com Macelaru não encontrei nessa apresentação agora da Peleggi.Nada daquele excesso de portamentos,no caso das cordas estavam verdadeiramente excessivos.Todo o conjunto muito mais afinado.Transparência total dos diversos timbres orquestrais,que se ofereciam para o deleite do ouvinte dessas obras todas tão bem orquestradas.Brava Peleggi!Isaac Carneiro Victal.
Para não passar sem polêmica,os comentários de Leonardo Martinelli na Revista Concerto sobre a obra de Liszt apresentada são puros preconceitos engalanados com arrogância e estupidez.Justamente numa das obras em que o húngaro mais deixa de lado o virtuosismo para se lançar à inovações do ponto de vista da forma da composição musical,o crítico da Concerto só enxerga nesse concerto mais uma peça de virtuosismo pianístico sem nenhum interesse musical.Na verdade tudo é ao contrário do que ele falou.Isaac Carneiro Victal.
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