CARLOS GOMES: UM MAL VALORIZADO! ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



   Apesar dos elogios ufanistas e das referências de estima, Carlos Gomes nunca foi valorizado corretamente no Brasil, primeiro como nosso maior, mais importante e conhecido no exterior artista do século XIX. E por que maior e mais importante?
Carlos Gomes chegou a Milão no início de 1864, quando uma Itália, então recentemente unificada, procurava acertar todos os ponteiros em um difícil emaranhado de ideias, atos políticos e diferentes culturas e etnias. Era natural, antes era lógico e obrigatório, que as artes entrassem no jogo. E a música não poderia ser deixada de lado, principalmente a música de ópera, forma de arte mais popular na Itália de então.
Os intelectuais da época, Arrigo Boito à frente, formavam, no norte do país, grupos que se reuniam em infindáveis polêmicas e um número enorme de publicações na imprensa. Tais grupos eram chamados de “scapigliati” (descabelados). Esses intelectuais tinham como elemento central de suas intenções, ao se falar de “ópera”, uma mudança radical na grande linha do melodrama italiano de até então, todo ele calcado no que havia estabelecido o quarteto Rossini/Bellini/Donizetti/Verdi.
Boito e seus seguidores percebem que era chegada a hora de olharem para além dos Alpes e verem o que acontecia  na ópera na França e na Alemanha, principalmente nesta última, em que Richard Wagner, em 1865, faz estrear o seu Tristão, sempre expondo por escrito suas teorias. Uma delas era a que apregoava a necessidade de maior correspondência entre a cena e as palavras. Outra,  a de que deveria haver maior continuidade na música. Outra, a de maior uso do cromatismo e de intervalos harmônicos e melódicos dissonantes.
É nesse momento que Carlos Gomes chega a Milão, centro de todas as atividades dos que proclamavam a necessidade de mudanças, inclusive para internacionalizar a Itália sem deixarem de ser italianos.
Em resumo, os italianos da nova geração não mais queriam ter em seus palcos de ópera um tenor afirmando que corre a salvar a mãe que está a ser queimada em uma fogueira e permanece cantando no mesmo lugar por muitos minutos. Nem uma tísica pesando 115 quilos…
A primeira obra de vulto de Carlos Gomes na Itália foi a primeira “revista musical” italiana ”Se Sa Minga”, paródia assombrosamente adequada do estilo de Offenbach, então rei do vaudeville e do burlesco em Paris. A obra chamou logo a atenção de todos.
Carlos Gomes, com o sucesso de “Se Sa Minga” e “Nella Luna” e com grande esforço financeiro, habilita-se a colocar como “opera d´obbligo’ da temporada 1869/1870  da Scala, maior teatro de ópera do mundo, sua ópera IL GUARANY, com libreto de Antonio Scalvini e Carlo D´Ormeville. Nessa ópera, que obteve monumental sucesso de público e de crítica, já se notavam maior lógica entre ação e palavras, maior continuidade do discurso musical, maior uso de cromatismo e de intervalos harmônicos e melódicos não consonantes.
Em 1873 faz subir ao palco da Scala a FOSCA, com libreto de Antonio Ghislanzoni. Os estudiosos que se derem o trabalho de estudar e analisar a partitura de orquestra dessa ópera verão que ela contém, com  poucas naturais exceções, tudo o que os da nova geração italiana pretendiam. O sucesso de crítica foi completo. Nessa ópera, procurando dar relevo ao “drama”, Carlos Gomes cria a figura da “attrice cantante”, logo utilizada por muitos compositores até a chegada do Verismo, como fez Amilcare Ponchielli em LA GIOCONDA, de 1876.
Em SALVATOR ROSA, com libreto de Ghislanzoni, criada em Gênova em 1874, mesmo querendo voltar a ser mais popular e sendo menos inovador, CG obtém tal sucesso de público e de crítica que essa ópera é levada a abrir a temporada 1874/5 da Scala de Milão em fulgurantes 15 récitas!!
Carlos Gomes foi o compositor de óperas italianas mais representado na Scala, depois de Verdi, durante a década 1870/1879. E ser segundo para Verdi era como ser o primeiro… Passou a ter seus modos e maneiras musicais copiados (um certo Gallignani compôs uma paródia de IL GUARANY), e assumiu a posição de mais importante elemento de ligação entre o “velho” (ENTRE ASPAS) de Rossini/Bellini/Donizetti/Verdi e o “novo” que viria a seguir com Catalani, Puccini, Mascagni, Leoncavallo e outros.
Muitos apontam Ponchielli como também elemento de ligação entre os dois períodos. Esquecem-se estes de que Ponchielli é autor assinado de uma só ópera de sucesso no período, LA GIOCONDA, de 1876, em tudo e por tudo cópia da FOSCA de CARLOS GOMES (vide “CARLOS GOMES – a força indômita”, de MARCUS GÓES, Editora Secult, Belém do Pará, 1996).
A valorização insatisfatória de Carlos Gomes no ponto abordado é lamentável lacuna, quando se fala do Tonico de Campinas, definindo-o como mero compositor imitativo de óperas italianas. Isso é o que ele não foi.
J´AI PLUS DES SOUVENIRS QUE SI  J´AVAIS MILLE ANS. (VICTOR HUGO)
MARCUS GÓES  (1939-2016)

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