SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA : RESISTÊNCIA E INVENTIVIDADE. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
ODISSEIA / Foto by CLARISSA LAMBERT |
A temporada 2019 da São Paulo Companhia de Dança reafirma seu propósito estético, conectando virtuosismo técnico, qualidade artística e, antes de tudo, muita resistência e inventividade para vencer o desafio de um momento tortuoso da criação cultural em moldes brasileiros.
Tendo a SPCD iniciado o ano coreográfico já com o favorecimento da crítica francesa como melhor Companhia estrangeira a se apresentar ali na temporada 2018/2019, auspiciosa noticia paralela à abertura da saison no último mês de junho.
Para encerrar a programação 2019, a SPCD desenvolve dois programas variados e sequenciais, entre 31 de outubro e 10 de novembro. Alternando obras de seu repertório com estreias coreográficas em palcos brasileiros de outras criações, parte delas já apresentada em turnês internacionais.
Marcados por um original direcionamento temático de sua diretora artística Inês Bogéa, cada um deles procura reunir obras coreográficas que se interliguem, subjetivamente, por abordagens quase absolutamente comuns, sob uma generalizada e significante epígrafe "Sem Fronteiras". Num panorama coreográfico que, assumidamente, alia o entretenimento à reflexão.
No caso deste terceiro programa, através das diversas formas de relacionamentos afetivos, desde a ludicidade dos jogos amorosos em Ngali à diáspora dos laços político-sociais nos movimentos migratórios (Odisseia), a um futuro pós apocalíptico de questionamento da sobrevivencia da própria condição humana, presencial na terceira coreografia (Vai).
NGALI/ Foto by WILIAN AGUIAR |
Ngali, de Jomar Mesquita, a partir de uma expressão aborígine australiana (nós dois incluindo você) inspira-se na narrativa dramática da peça La Ronde, 1897, do austríaco Arthur Schnitzler e da versão fílmica anos cinquenta de Max Ophuls, com possíveis ecos do poema de Drummond (Quadrilha).
Onde a insinuação de um sucessivo movimento sensual do ir e vir, na troca de parceiros de um casal quando o terceiro interfere no jogo erótico, alcança versátil e energizada transposição coreográfica, com substrato estilístico da dança a dois de salão.
Em exercício exemplar de espontânea e autentica brasilidade, extensiva à base musical MPB, na concepção de Jomar Mesquita, sob vistosos figurinos (Fernanda Yamamoto) e sutis marcações luminares (Joyce Drummond), destacando-se nas turnês da SPCD, aqui e lá fora, desde sua estreia em 2016.
Da diversidade mais irônica e bem humorada desta obra brasileiríssima ao contraponto trágico-poético da problemática universal dos surtos migratórios forçados, sob o signo da dor pelo abandono das raízes pátrias. Na visão de um nome representativo da nova dança francesa - Jöelle Bouvier - com o simbólico referencial nominativo de Odisséia.
Desenvolvida sob a pulsão de recortes musicais da Paixão Segundo São Matheus (Bach) e das Bachianas de Villa-Lobos, com incidência de sonoridades marítimas, em evocativa paisagem cênica sugestionando naus e velas no entremeio de ondas revoltas, naufrágios e corpos estirados à beira mar.
Num movimentar-se expressivo do lugar nenhum da destinação melancólica de seres humanos sob insistente caminhar ao léu. No belo alcance de trajes (Fábio Namatame) para intempéries em processo de patético despojamento, com marcações de efusivo desenho de luzes entre sombras (Renaud Lagier).
Em remissivo ideário reflexivo da proposta coreográfica da temporada 2019 da SPCD – tornando mais visceral o Sem Fronteiras com o emblemático signo verbal gestualizado em Vai, do americano de ascendência judaica - Shamel Pitts.
Na transmutação imagético-corpórea de lirismo e caos, ele materializa, num inventário coreodramático, o irracional e o êxtase, através da técnica catártica pelo método Gaga. Com rompante irradiação sensorial dos transes humanos questionados pela perspectiva redentora ou insólita de um tempo futurista.
Com uma multi trilha remix incidental (Ryoji Ikeda, Nina Simone, Metá Metá, Milton Nascimento) e figurinos cotidianos (Tushrik Fredericks) que se metamorfoseiam na pele de cada bailarino sob luzes focais psicodelizadas (Mirella Brandi).
Com uma multi trilha remix incidental (Ryoji Ikeda, Nina Simone, Metá Metá, Milton Nascimento) e figurinos cotidianos (Tushrik Fredericks) que se metamorfoseiam na pele de cada bailarino sob luzes focais psicodelizadas (Mirella Brandi).
Concretizando, enfim, mais uma envolvente realização cênica da SPCD, tanto no aspecto formal como na intenção critica, dando continuidade ao seu processo investigativo de uma criação coreográfica sempre sintonizada com a contemporaneidade.
Wagner Corrêa de Araújo
VAI / Foto by Charles Lima |
A Temporada 2019 da São Paulo Companhia de Dança no Teatro Sérgio Cardoso/ SP, prossegue, com seu último módulo, de 07 a 10 de novembro, em horários diversos.
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