"LA MER" DE DEBUSSY, SEU CRIADOR NÃO CONSEGUIU PREVER AS IMPRESSÕES QUE SUA OBRA CAUSARIA NO PÚBLICO! ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


Nem Debussy nem Ravel gostavam de chamarem "impressionistas" as obras escritas por esses dois compositores. Eles como se sabe já se foram e hoje são estudados como autores "impressionistas". Não agradava aos compositores supracitados, mas um termo que primeiro se usou para definir um movimento no campo da pintura é correntemente usado para se referir a uma estética musical, tanto pelos entendidos como pelo vasto público.

Desde muito tempo atrás obras revolucionárias da história da música, por exemplo o surgimento da ópera, foram inspiradas por elementos extra-musicais. Por mais abstrata que seja a arte dos sons, a história prova:a música não está fora do mundo. Debussy é da mesma época e do mesmo país que uma certa escola de pintura e a associação desta com a música desse genial francês foi algo inevitável. O criador de "La Mer" dizia que só queria criar algo diferente. Vamos fazer uma analogia, quando alguém em sociedade age muito diferente dos demais,se diz desse indivíduo:ESTÁ QUERENDO CHAMAR A ATENÇÃO,OU QUER CAUSAR UMA FORTE IMPRESSÃO!Portanto não é bem uma associação com a pintura,mas uma associação com um conceito que se usou para descrever determinado tipo de pintura e de música.

La Mer não é como uma pintura,ou a Pastoral de Beethoven, não é como a descrição de um passeio no campo, ou a Fantástica de Berlioz, não termina com a encenação de um Sabá de Bruxas, mas a miscelânea entre as artes é muito bem vinda. Indo mais além,citando Mahler: A SINFONIA DEVE REPRESENTAR O MUNDO. Falando uma linguagem mais popular,"o fruto não cai longe da árvore", não existe uma música absoluta,que se desenvolve fora do mundo.Basta conhecer a biografia dos grandes compositores e logo passa-se a compreender muito melhor suas obras.Alguns podem fazer como Brahms,este ignorou um "modismo" que na época dele se chamava música de programa,ou em outras palavras deixou de explorar possibilidades...

Ao indicar gravações dessa obra-prima de Debussy, vou fazer agora considerações estritamente musicais que serviram como meu critério de escolha.Notei o fato de a maioria dos intérpretes não enfatizarem a harmonia impressionista,exceto a maioria dos intérpretes franceses.Estes são os que mais exploram também toda a riqueza dos timbres instrumentais da partitura,ou seja são os responsáveis em geral pelas interpretações mais "coloridas".Debussy escreveu uma música bastante moderna,mas como utiliza delicada instrumentação e dinâmicas suaves boa parte do tempo,a obra dele acaba não chocando tanto o público.Passa uma impressão agradável.A biografia desse artista no entanto nos mostra que ele teve muitos problemas com seus professores de conservatório.A obra dele também estimulou rebeldes do mundo inteiro,ao ponto de Pierre Boulez dizer que com o "Prélude à l'Après midi d'un faune" teve início a música moderna. Interessante saber que o poeta Mallarmé não gostava da ideia da justaposição de seu poema "L'aprês midi d'un faune" com o Prelúdio de Debussy inspirado nele.

Julgo ser um completo absurdo dizer que "La Mer" é algo como uma sinfonia escrita por Debussy,dado o total desprezo deste compositor pelas formas clássicas,ainda mais pelas grandes forma clássicas como a sinfonia.Esse artista se destacou por criar obras sui generis.Como já havia dito,ele brigava desde novo no conservatório por querer introduzir harmonias proibidas em suas composições por exemplo.

Como exemplo de interpretação "colorida", cito a gravação do maestro Manuel Rosenthal com a Orquestra da Ópera de Paris.Versões internacionais de regentes célebres como Abbado, Maazel, Szell, Reiner, Haitink, Solti, Gergiev todos muito mais conhecidos como diretores que Rosenthal,essas interpretações todas parecem não explorar sequer superficialmente esse "mar" comparadas ao registro desse desconhecido maestro francês.Este foi aluno de Ravel e amigo de Stravinsky, recomendo as gravações ravelianas desse diretor,destaco também uma excelente versão de Noites nos Jardins de Espanha com Yvonne Loriod, esposa de Messiaen, ao piano.

Désiré-Émile Inghelbrecht é outro desconhecido maestro conterrâneo  e contemporâneo de Debussy que nos deixou excelentes gravações dessa partitura genial,ao lado destas versões a maioria das interpretações internacionais são tão obscuras como olhar para um poço cheio de água suja.

Uma coisa curiosa que descobri é que uma obra relativamente moderna como "La Mer",recebeu uma de suas melhores gravações numa interpretação "de época" da Orquestra Les Siècles,sob direção de François-Xavier Roth.
   
A melhor gravação de Pierre Boulez desses três esboços sinfônicos é a de 1966 com a orquestra New Philharmonia,mas diria,da maneira como eles tocam,aqui não temos nem um exemplo de sensualidade nem de colorido...

Outra interpretação francesa que esta sim é bem reconhecida pela crítica internacional e pelo público é a de Jean Martinon com a Orquestra Nacional da Rádio Francesa.Lamento que o grande diretor Pierre Monteux não tenha gravado essa peça em som estéreo,ao contrário do seu compatriota Charles Munch que deixou uma excelente gravação feita em Boston para a série Living Stereo da RCA. Mais recentemente Michel Plasson lançou vários discos gravados em Toulouse pela EMI com interpretações exemplares de música francesa, "La Mer" de Debussy foi um dos pontos altos dessa série,um dos registros mais bem sucedidos.

Entre os grandes maestros internacionais, Karajan realizou várias gravações dessa peça,destaco a de 1953 com a Philharmonia e a de 1977 em Berlim. Bernstein nos deixou um registro terrível feito em New York,com uma sonoridade tosca e bruta nada apropriada ao universo de Debussy,mas quando estava mais velho conseguiu uma interpretação muito melhor com a Academia de Santa Cecília de Roma,lançada no mercado pelo selo DG. Celibidache regeu uma das interpretações mais lentas conhecidas da obra,mas essa execução que se arrasta por mais de meia hora é uma das mais reveladoras de detalhes da partitura totalmente ignorados por quase todos os outros diretores.Essa gravação com o maestro romeno e a Filarmônica de Munique não dá para ignorar. 

Um caso interessante é o disco de John Barbirolli, filho de um italiano e uma francesa nascido em Londres,com a Orquestra de Paris tocando La Mer publicado pela EMI.O regente fez uma orquestra francesa soar como uma orquestra inglesa,se parece muito a sonoridade desse disco com os que a Philharmonia gravava pela mesma gravadora,nessa mesma época.Por outro lado,aqui temos recriado todo o colorido da partitura,como as orquestras francesas tão bem sabem fazer.

Entre as gravações econômicas,o disco da Orquestra Nacional de Lyon conduzida por Jun Markl lançado pelo selo Naxos é a melhor opção que encontrei,uma interpretação recente que demonstra o estilo francês de se tocar Debussy.

Um registro internacional interessante é o do maestro espanhol Fruhbeck de Burgos com a Sinfônica de Londres,mas dada a proximidade da França tanto com a Espanha quanto com a Inglaterra,provavelmente um nativo desses dois países pode entender muito bem a cultura francesa.

O grande diretor internacional que mais se destacou nessa peça para mim é Carlo Maria Giulini. Mesmo quando estava bem velho,sua última gravação da obra por ex. realizada em 1994 com a Concertgebouw em Amsterdam, não é tão lenta como se poderia esperar desse músico.Como acontece sempre com esse maestro,ouvimos claramente todas as linhas instrumentais,um equilíbrio perfeito entre os diversos naipes nesse registro ao vivo.Temos várias gravações dessa obra com Giulini,o nível delas é incrivelmente alto.Aqui realmente temos alguém capaz de oferecer uma interpretação "colorida" de Debussy!

Isaac Carneiro Victal.

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