OS GRANDES INTÉRPRETES DO PASSADO SERÃO ESQUECIDOS? ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

   Antigas gravações feitas muito tempo atrás por artistas renomados, como avaliá-las? Por um lado se a parte técnica dos registros avançou muito, igualmente avançaram também as técnicas de restauração e remasterização, até chegarmos ao ponto da fabricação de um pseudo-estéreo. Um dado histórico me guiou nessas avaliações feitas aqui, a saber muitos intérpretes célebres que alcançaram a era do disco,chegaram a obter a aprovação de grandes compositores para as interpretações das obras destes,ou então conheceram pessoalmente certos compositores, podendo conhecer de modo íntimo as intenções desses criadores.

Dois exemplos famosos são Toscanini e Furtwangler, grandes regentes do trabalho de ambos temos gravações feitas 70,80 anos atrás que  ainda são ouvidas com admiração. O diretor italiano estreou Feste Romane, obra-prima do seu compatriota Respighi. A gravação feita com a orquestra da NBC em 1949 por exemplo, pese a sua idade, ainda impressiona. Grande realização dessa complexa festa orquestral! O mesmo acontece com Furtwangler interpretando Richard Strauss, basta ouvir por exemplo o registro do poema sinfônico Don Juan realizado com a Filarmônica de Berlim em 1942, também neste caso, a despeito do tempo, um registro que prende a atenção do ouvinte do início ao fim.

Puccini tinha um bom conceito de um certo batuteiro chamado Victor de Sabata, até hoje a ópera Tosca gravada em Milão por este regente  em 1953, com Maria Callas no papel título, é julgada por muitos como uma referência. O detalhe é que o compositor achava o maestro incapaz de reger suas óperas!

Quando se trata da descomunal Sinfonia dos Mil, de Mahler, crítica e público consideram uma gravação feita ao vivo em Londres,no ano de 1959 por Jascha Horenstein, como feito histórico. Tinha tudo para dar errado, mas o resultado foi incrível! Dado o fato do concerto ter sido realizado no Royal Albert Hall, com sua cavernosa acústica,a probabilidade de desastre total era altíssima.

Temos um registro de Wlllian Primrose, o violista que encomendou o concerto para Viola de Bartok, tocando a obra ao vivo com a Concertgebouw de Amsterdam regida por Otto Klemperer,em 1951. Interessantíssimo de se ouvir. Também nessa leva, Klemperer regeu a Sinfonietta de Janacek, peça que ele apresentou ao vivo com a aprovação do criador da obra dentre o público. Entre essas gravações holandesas, está um excelente registro de Noites nos Jardins de Espanha de Manuel de Falla, com Klemperer na direção e o holandês Willem Andriessen ao piano, ótima versão apesar de pouco idiomática. 

Grandes gravações radiofônicas ao vivo,que até hoje são tidas por muitos especialistas como exemplares execuções, são as interpretações das sinfonias n.6 e 3 de Mahler, por Dimitri Mitropoulos. Gravadas em 1959 e 1960, respectivamente, desafiam esses registros do maestro grego a qualidade artística de muitos discos realizados em condições de estúdio com orquestras muito melhores.

Pierre Boulez gostava de dizer que suas aparições sobre o pódio, cada vez mais comuns a partir dos anos 60, eram para que obras modernas e complexas como Le Sacre de Stravinsky pudessem ser melhor interpretadas.Ele dá a entender que se cansou de ouvir tantas interpretações ruins de música moderna.A história dos registros fonográficos desmente esse diretor.Sabe-se que a trilha sonora que Stokowski gravou para o filme Fantasia,de Walt Disney, lançado em 1940,provocou grande desgosto no compositor, em se tratando da seção da película que incluía a obra-prima do autor russo. Isso tanto do ponto de vista musical quanto das imagens. Por outro lado a gravação feita em 1952 conduzida Igor Markevitch em Londres com a Philharmonia, já exibe uma orquestra que pode se orgulhar de ter dominado essa incrivelmente difícil partitura. Ambos voltaram a gravar o balé em estéreo no ano de 1959, reafirmando ainda mais o virtuosismo notável já na gravação em mono.

O maestro que regeu as primeiras apresentações de Petrushka e de Le Sacre,Pierre Monteux, se não foi tão bem sucedido em gravações que deixou da segunda obra, lançou pela série Living Stereo da RCA um dos melhores discos com a primeira. Realmente notável esse LP de 1959 desse diretor com a Boston Symphony.

Em relação ao balé L'Oiseau de feu, já em 1956 foi realizada uma gravação da suite de 1919 na qual podemos ouvir uma orquestra demonstrando todo seu virtuosismo ao interpretar a peça,sem nenhum problema técnico.Trata-se da interpretação de Carlo Maria Giulini diante da Philharmonia,lançada no mercado pela EMI.

Uma pena que os grandes virtuoses cada vez mais se distanciam dos grandes compositores seus contemporâneos. Parece estar ficando cada vez mais raro o fato de existir um virtuose como Nathan Milstein por ex, que escreveu sobre como foi a relação pessoal dele com Prokofiev, bem como realizou gravações do concerto número 1 para violino. (com Giulini em 1962) e do concerto número 2(com Fruhbeck de Burgos em 1965).

Conclusão existem sim muitas gravações antigas tão boas que continuam valendo. Desde o advento da indústria fonográfica, temos que independentemente dos interesses das grandes gravadoras de nos empurrarem novidades muitas vezes pouco interessantes, organizar uma seleção de interpretações que ficaram para a história dos grandes clássicos.Os intérpretes não são tão importantes quanto os compositores, mas alguns poucos continuam chamando a atenção mesmo depois de mortos pelo altíssimo nível alcançado pelas suas recriações.

Isaac Carneiro Victal.

Comentários

  1. As grandes gravações de grandes intérpretes de música clássica são o grande legado cultural do duro século XX e o XXI culturalmente falando é uma tragédia inenarrável...

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