JÁ DÁ PARA TOCAR MÚSICA DE VANGUARDA NOS CONCERTOS DOMINGUEIROS? ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 


Na maior parte das vezes as salas de concerto equivalem a um museu, pois ao se afastarem das técnicas de composição amplamente utilizadas no período chamado de prática comum, terminada já se vão mais de 100 anos na música erudita,os compositores atuais em sua maioria criam uma música impossível para o não iniciado compreender. Em geral,as pessoas só apreciam uma música que elas conseguem cantarolar ou assobiar.

Existem raras exceções e vou falar de dois compositores aqui,da vanguarda,que em vida presenciaram larga difusão de suas obras.O título do texto se deve ao comentário modestíssimo que Ravel fez se referindo ao seu Bolero,afirmando que esta obra nunca seria popular ao ponto de ser tocada nos concertos populares domingueiros.

Gyorgy Ligeti-Compositor judeu- húngaro nascido em território hoje romeno,na exótica transilvânia, radicado em Viena.Criou uma técnica chamada micropolifonia,ou utilizou como nunca antes os clusters. O recentemente falecido polaco Penderecki usou recursos similares em peças como Treno para as Vítimas de Hiroshima;nesta obra-hecatombe o compositor emprega imensos blocos de notas,verdadeiras massas sonoras,não mais dá para distinguir elementos como ritmo,melodia e harmonia.Esta bomba é fruto da pura experimentação do seu criador,segundo as palavras dele "estava trabalhando com música eletrônica e comecei a experimentar com as cordas,buscando efeitos que havia encontrado no laboratório".Devido ao efeito bombástico da peça e a consequente reação do público, Penderecki que pretendia chamar de 8' 36''(duração prevista da peça) esta revolucionária criação,reagiu aos comentários intitulando seu experimento como um Treno,com a dedicatória "às vítimas de Hiroshima".

As primeiras peças atonais de Schoenberg e Webern parecem uma coleção de canções de ninar comparadas a essas massas de som.Esse negócio de cluster se usou já no barroco,o exemplo é a obra Les Elements de Jean Fery Rebel,onde aparece para representar o Caos,a primeira seção deste ballet barroco.No caso dos compositores do século vinte,criaram verdadeiras monstruosidades com suas superposições,essa obra barroca exibe apenas uma acumulação gradual das sete notas da escala de ré menor.O movimento dessas massas sonoras se constitui na arte da composição musical nesse estilo.As intrincadíssimas texturas dão como resultado que a cor d o som,ou as resultantes ATMOSFERAS(nome de uma das principais composições de Ligeti)são os elementos que mais chaman a atenção do ouvinte.Essas inovações acabaram com o sonho de Schoenberg,este através de suas próprias invenções,almejava em suas palavras estender o domínio da música germânica sobre a música da Europa por 100 anos.

Poucos anos após esse estilo de composição revolucionário aparecer,o célebre diretor cinematográfico Stanley Kubrick desprezou a música que tinha encomendado a Alex North para seu filme 2001,Odisseia no Espaço,resolvendo empregar um apanhado de composições dos dois Strauss, o das valsas e o dos poemas sinfônicos e óperas,Khachaturian e peças vanguardistas recém compostas de Ligeti. As obras com potencial escandaloso selecionadas foram a já citada ATMOSFERAS,uma versão alterada eletronicamente sem a permissão do compositor de AVENTURES,trechos de LUX AETERNA e do RÉQUIEM.Música vocal e orquestral avançadíssima. O diretor conseguiu uma fusão de cinema e música que faz passar essas peças muito loucas através da película até um vasto público,este talvez nunca tomaria conhecimento dessa música ,feita na realidade para um público pequeno,um punhado de pessoas muito loucas.

 Posteriormente Ligeti escreveria música na qual,como num desfile de carnaval,técnicas de composição as mais variadas,desde medievais até contemporâneas,eram empregadas na mesma peça,de acordo com a fantasia e imaginação do compositor.Existe um concerto genial(jamais tocado no Brasil) escrito para o violino desse autor composto dessa maneira,provavelmente é a obra atual para esse instrumento que mais está a chamar a atenção dos solistas internacionais.Basta procurar no YOUTUBE e se encontram interpretações da peça por Patricia Kopatchinkaja,Tasmin Little,Frank Peter Zimmermann,Renaud Capuçon,Christian Tetzlaff,Augustin Hadelich,Benjamin Schmid,Sayaka Shoji,Miranda Cuckson,Saschko Gawriloff(este gravou a peça para a DG com o Ensemble Interconteporain dirigido por Pierre Boulez).

Aqui temos um fenômeno raríssimo,obras de arte da vanguarda musical,o supra-sumo dos mais recentes desenvolvimentos da cultura musical européia,alcançando larga difusão por meios como o cinema norte americano.Uma coisa impossível de acontecer,aconteceu!Não vou adentar na briga do compositor com o diretor,este nem sequer pediu autorização para usar a música no filme. O QUE ME CHAMA MAIS A ATENÇÃO É ESSE MILAGRE,o fenômeno de uma arte feita por e para uma minoria de pessoas com profundo conhecimento de toda a história da música e as mais diversas técnicas de composição musical,estar ligada para sempre ao cinema de Hollywood.Mundos totalmente opostos,de um lado a indústria de filmes da terra do tio Sam que movimenta fortunas,do outro a vanguarda maldita européia.

Olivier Messiaen-Outra manifestação suprema da vanguarda da Europa que conseguiu o mais difícil para um compositor de vanguarda:ter sua música executada enquanto vivia,pelos principais intérpretes musicais do mundo,nesse caso sem ajuda cinematográfica.Sua Sinfonia Turangalila foi entreada por Bernstein,com a Boston Symphony em 1949.Posteriormente importantes maestros gravaram essa obra,como Ozawa,Chailly,Salonen,Rattle,Chung,Wit,Nagano,etc. O novo diretor da OSESP também gravou essa peça,quem sabe um dia ele programe essa sinfonia,só foi tocada uma única vez no Brasil.Mesmo maestros pouco ligados aos movimentos de vanguarda tocaram ou gravaram obras de Messiaen.Gunther Wand deixou uma gravação de rádio com a excelente Orquestra da Rádio Bávara de Tres Liturgias da Presença Divina,também registrada em estúdio pelo já citado Bernstein.Giulini &eacu te; outr o intérprete pouco usual deste tipo de música do qual temos uma gravação radiofônica feita em Los Angeles de outra peça desse autor,AS OFERTAS OLVIDADAS(LES OFFRANDES OUBLIÉES). Yvonne Loriod,esposa desse criador e intérprete capacitada para interpretar ao piano todas as estripulias musicais que seu marido escrevia,chegou a ser convidada para ser solista da Filarmônica de Berlin,dirigida por Karajan,quando apresentaram juntos Le Réveil des Oiseaux.A última obra de Messiaen deixada inconclusa é um concerto para quatro solistas,dedicado a nada mais nada menos que Rostropovich,Loriod a esposa citada anteriormente,Heinz Holliger e a desconhecida Catherine Cantin.

Essa assimilação da música desse compositor por parte de tantos intérpretes,dada a dificuldade dessa obra,é outro acontecimento.Entretanto o que mais me chama a atenção nas obras de Messiaen é seu fascínio pelas coisas exóticas.Do Japão ao país dos pigmeus,deu a volta ao mundo,literalmente,em busca de inspiração.Até declarou sua admiração ao modo como Villa Lobos recriava o canto dos pássaros brasileiros em suas obras. Essa Sinfonia Turangalila representa bem como Messiaen rodou pelo mundo.A obra é como uma Sagração da Primavera ainda mais exótica e mais cosmopolita.Apesar de católico,era fascinado pelo hinduísmo e ritmos indianos o inspiraram muito. O mito europeu medieval da história de amor de Tristão e Isolda foi outra fonte.O criador chegou a referir-se assim acerca desta obra:"Se trata de uma can ção de amor".Esta é uma das traduções do título da sinfonia,na língua sânscrita. Os 4 temas principais da peça,são cíclicos ou seja aparecem de maneira recorrente e emergem dentre vários outros temas,estes restritos estão a aparecerem em um só movimento,também exemplificam a viagem mundo afora  empreendida pelo compositor em busca de fontes de inspiração;

O primeiro tema é o da estátua,que ouvimos todo robusto,marcado pesante na partitura e tocado logo ao se abrirem as cortinas por tuba e trombones.A intenção é provocar o medo,sentimento que Messiaen associa ao efeito causado pela contemplação de estátuas monolíticas pré-colombianas no México.

Em contraste total a isto,o tema da flor,suavemente aparece instrumentado para dois clarinetes.

Um dos temas é na verdade um encadeamento de acordes não uma melodia.

O tema do amor(aqui gostaria de remarcar a diferença entre a música deste francês e a música Wagner para sua ópera Tristão e Isolda) é o principal e fecha a obra,com toda a orquestra. Aparece também sob diversas instrumentações,como para demonstrar(esse compositor quer demonstrar isso o tempo todo,do mesmo jeito que Bach gosta de fazer gala de sua maestria no contraponto) o fato notório,Messiaen é um mestre da cor sonora.                                      Isaac Carneiro Victal         
                                                       

Comentários

  1. Estou aqui de novo para dizer umas coisinhas.Até escrever esse texto não sabia que Penderecki (o músico apareceu várias vezes por essas bandas,apresentou-se pela última vez no Brasil em 2017)não estava pensando nas vítimas de Hiroshima ao compor o seu Treno.A fonte da informação e a citação do compositor eu tirei do artigo "Aproximación a la Estética de Penderecki",de Juan Manuel Abras,publicado na Revista del Instituto de Investigación Musicológica "Carlos Vega",Ano XXV,número 25,Buenos Aires,2011.Já vou avisando antes que apareça alguém perguntando de onde tiramos essa informação.Sobre a rasura,as letrinhas emboladas,gostaria de dizer "Giulini é outro intérprete".Isaac Carneiro Victal.

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