BEETHOVEN DE NOVO! ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Beethoven ao piano, pintura Albert Gräfle (1809-1889)


   Já quero deixar claro não sou apreciador de ciclos completos da obra de um artista,nem de passar em revista toda a obra de um determinado criador para comemorar ocasiões especiais,muito menos tocar mais vezes ainda o repertório padrão dos concertos de música clássica.Deixo essas atividades para os completistas, historicistas e reais eruditos.Como exemplo,dificilmente vou sair de casa e pagar um ingresso para ouvir ser tocada uma sinfonia de Beethoven,mas no caso de um programa com Ravel. Prokofiev e Dutilleux como o que foi apresentado pela Filarmônica Mineira ano passado,até viajo para assistir.

   Assumo não sou entendedor nem apreciador do repertório padrão das orquestras e teatros de ópera,mas vou cometer a ousadia de chamar a atenção para um aspecto das peças para orquestra de Beethoven.Ele estava atrás de outros compositores da época na escrita para orquestra.Talvez esse foi o único ponto na carreira em que o mestre Beethoven ficou para trás. Berlioz por ex. afirmou que Rossini havia introduzido o bumbo na orquestra antes dele mesmo. O divertido rufar de tambor em estéreo do início da Gazza Ladra exemplifica a engenhosidade da orquestração rossiniana,bem como outras aberturas do compositor de O Barbeiro de Sevilha, como as introduções para O Cerco de Corinto,Guilherme Tell e Semiramide.Outro compositor dessa época Gaspare Spontini também inovava muito na orquestração de suas óperas,mas títulos desse autor como La Vestale, Agnes von Hohenstaufen e Fernand Cortez estão hoje completamente esquecidos.Obviamente Rossini não é um compositor da mesma altura que Beethoven e muito menos Spontini,nesse caso nem tem como comparar.

  Ao longo dos anos tentou-se mudar a orquestração das sinfonias do gênio de Bonn,o caso mais notório é a versão de Mahler da Nona Sinfonia Coral.Como ouvinte notam-se existem muitas camadas nessas obras que ficam ocultas na maioria das interpretações modernas.Daí surge a necessidade de interpretar essas peças com instrumentos de época.O problema é que muitas dessas versões pretensamente inovadoras não resultam ser assim tão reveladoras,nem são interpretações tão competitivas num campo saturado.
  
   Uma decepção por exemplo foi a versão recente da Quinta Sinfonia lançada em disco por Teodor Currentzis,talvez a única na qual se escuta um contrafagote tão proeminente no último movimento.Por outro lado a interpretação é estranha e muito corrida,não se destacando mesmo no campo das versões com instrumentos de época.Por outro lado num dos últimos discos de Harnoncourt,ouve-se uma Quinta reveladora,com um delicioso flautin bem proeminente no finale e uma interpretação ousada mas nesse caso muito bem sucedida,entre as melhores já gravadas.

   Regentes em nada relacionados com a escola historicista também gravaram versões de uma clareza assustadora,como por exemplo a Pastoral que Giulini realizou em Los Angeles.Raramente as madeiras estiveram tão bem equilibradas numa versão desta peça como aqui.Caso similar é Nona de Celibidache lançada no mercado pela EMI,com a Filarmônica de Munique.Com o regente romeno os andamentos lentos favorecem uma transparência pouco ouvida nas interpretações dessas obras sob outras batutas.Algo parecido,com andamentos um pouco mais rápidos,se passa na versão de estúdio dessa sinfonia que coloca em música uma ode de Schiller gravada nos anos 50 por Klemperer com a Philharmonia.Outra versão cristalina dessa obra-prima é a de Giulini com a Orquestra e Coro da Rádio Sueca,de 1979.O maestro historicista que lancou o disco com a Nona mais reveladora de detalhes da pa rtitura foi Harnoncourt,se trata de uma versão com a Orquestra de Câmara da Europa.

   Um milagre são as gravações das sinfonias menores com Roger Norrington e os London Clasical Players.Neste caso o diretor alia a super aceleração ao cuidado em expor detalhes pouco ouvidos das partituras.Estão entre minhas versões favoritas das sinfonias número 1,2,4 e 8.Essas interpretações sempre desagradaram a muitos,ao ponto de Norrington ser chamado de o pior regente do mundo por alguns dos seus detratores.

   O Beethoven de Norrington e Currentzis no entanto é bem menos chocante que o de Arthur Schoondenwoerd,o mais estranho intérprete que já ouvi dos concertos para piano e orquestra.Não só o fortepiano soa como um piano de brinquedo,com aquele característico som sem legato,bem martelado,mas a orquestra é reduzida ao ponto de termos um violino por parte.Madeiras,metais e tímpanos são ouvidos como nunca antes,mas o conjunto Cristofori está longe de ser virtuosístico ou mesmo preciso,com falhas na afinação e em certos momentos cada um entra na hora que quer.Parece que a gravação foi realizada no intuito de irritar e dar munição para aqueles que odeiam as interpretações historicamente informadas.Eu acho o resultado divertido,levando ao extremo certas práticas da escola de época e o desejo de soar diferente.Obviamente ouço essas versões como uma curiosidade.

    Confesso que adoro observar a irritação que algumas interpretações "de época" ainda causam nos críticos.Esse ano um tal de Kristian Bezuidenhout lançou uma gravação de alguns dos concertos para piano de Beethoven juntamente com o maestro Pablo Heras-Casado.Um crítico musical e YOUTUBER! chamado David Hurwitz,procurem na internet é um velho caolho e careca,quase teve uma síncope nervosa ao resenhar essas gravações desrespeitosas em relação ao que ele considera as boas práticas interpretativas no YOUTUBE.

   Nessa busca pela clareza e pelo equilíbrio orquestral,realmente muitos grandes regentes eu tive que desconsiderar,a despeito dos excelentes intérpretes que foram.Furtwangler,Karajan,Bernstein nenhum deles estava preocupado obsessivamente com os detalhes,apesar do efeito geral de grande impacto das interpretações beethovenianas desses diretores.Toscanini nesse sentido é muito melhor se quisermos ouvir mais do que Beethoven escreveu,mas mesmo ele realizou pequenas modificações na orquestração do compositor,como era hábito entre regentes de outros tempos.

   Para se ter uma ideia da importância do repertório para orquestra do criador da sinfonia coral para esses grandes maestros, Furtwangler reabriu o Festival de Bayreuth com a Nona,sendo essa a primeira ocasião em que se executava a música de outro exceto Wagner nesse evento. Karajan abriu a Sala da Filarmônica de Berlim em 63 com a mesma obra. Bernstein por sua vez,ao aparecer no palco juntamente com o genial Claudio Arrau,apresentou o Concerto n.4 com esse pianista,a Abertura Leonora n.3 e a Quinta,também conhecida como sinfonia do destino.

   Entre regentes que preferem um som orquestral mais robusto,não se importando que num tutti em FFF não se ouçam os violinos por exemplo e maestros que buscam a clareza acima de tudo,creio que Beethoven se beneficia mais com a segunda opção. Bruckner pode em certas passagens se beneficiar com a primeira opção,mas não creio que este seja o caso de obras como Falstaff de Verdi ou La Mer de Debussy. Muitos maestros italianos e latinos em geral se destacaram pela busca da transparência,juntamente com as orquestras e maestros ingleses.Por outro lado diretores como Karajan e Furtwangler buscavam um som orquestral imponente,característico dos diretores e orquestras alemães.Recentemente,muitas interpretações "de época" se propuseram a revelar riquezas escondidas nas partituras orquestrais,lançando luz sobre detalhes negligenciados.Em defesa dos detalhistas,dois dos maiores regentes da história Klemperer e Celibidache,a despeito de terem desenvolvido suas carreiras em parte na Alemanha, eram mestres em nos revelar muita coisa que outros intérpretes escondem.

Isaac Carneiro Victal.

Comentários

  1. Aconteceu uma polêmica interessante na seção de comentários em outro blog,PQP Bach,logo após a publicação desse texto acima,acerca de uma postagem para download do arranjo de Mahler da Nona de Beethoven.Pode-se ler uma discussão,na qual os autores do blog PQP e até um participante estrangeiro,Jose Manuel Recillas,debatem sobre reorquestrações de obras clássicas.Cometi a ousadia de intervir,concordando com os persuasivos argumentos do crítico mexicano Recillas,de fato uma brilhante exposição!Apenas apresentei um porém,qual seja o participante internacional tinha citado a pioneira gravação com instrumentos de época da obra orquestral de Beethoven feita pela Hanover Band, dirigida por Roy Goodman,como referência se quisermos ouvir muitas notas que ficam obscurecidas na maioria das interpretações modernas.Isso é verdade,apenas emendei que prefiro as interpretações
    beethovenianas dos diretores Harnoncourt e Norrington.

    Isaac Carneiro Victal.

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