RUDI VAN DANTZIG E TOER VAN SCHAYK : COLÓQUIOS COM DOIS MENTORES ESTÉTICOS DO HET NATIONALE BALLET. WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO ESPECIAL PARA O BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 


HET NATIONALE BALLET. Episodes van Fragment, de Toer van Schayk.2016.Foto/Juri Hiensch.

Através dos colóquios pessoais com estes dois baluartes da inicialização do Balé Nacional da Holanda, lembramos, aqui, que tanto Rudi van Dantzig como Toer van Schayk sempre foram parceiros de grandes momentos da criação coreográfica de sua pátria. Colaboração que se estendeu, até a morte de Rudi van Dantzig em 2012, a outras áreas como a cenografia, figurinos e abordagens temáticas. Aliás, foi Toer van Schayk quem estreou,em 1965, como personagem titular, o carismático balé de Rudi van Dantzig Monument  for a Dead Boy

O que prevalece em suas concepções coreográficas – o dançarino como solista/ protagonista ou a construção de grupos?

R.van Dantzig : “A construção de grupos, acredito. Mas é muito importante haver um destaque, alguém em primeiro plano, à frente dos grupos, onde o solista ou protagonista saiba destacar, como bailarino,  a expressão das diferentes formas de movimentos. Em que a personalidade do bailarino apareça através da coreografia e não porque tenha, ele próprio, uma personalidade e presença por demais marcantes”.

T. van Schayk: “Isto vai depender exclusivamente do tipo de trabalho a ser realizado. Quando uma obra é bastante abstrata no que concerne aos movimentos, as formas e construções arquitetônicas são muito mais interessantes e importantes. Em outras hipóteses, tenho uma tendência maior em valorizar as qualidades emocionais dos dançarinos, especialmente os solistas”.

É possível a utilização e combinação da coreografia clássica e moderna numa mesma companhia?

R. van Dantzig : “Acredito que não podemos escapar disso em nossa época. Uma companhia contemporânea deve, necessariamente, fazer além do clássico, o estilo moderno, pois não é bom para os próprios bailarinos ficarem submetidos ou apenas presos ao clássico. É verdade que a base é o clássico e para fazer bem o moderno jamais podemos desprezar as regras clássicas. Será, assim, através do aprendizado da técnica clássica que, utilizando-a como base, poderemos expressar bem a dança numa linguagem contemporânea".

Toer van Schayk : “No fundo e à primeira vista, parecem completamente antagônicas estas formas de dança, mas a combinação tem sido sempre possível. É o caso de nossa companhia onde a comunhão tem se dado da melhor maneira e com excepcionais resultados".


Toer van Schayk em Monument for a Dead Boy, de Rudi van Dantzig. Estréia em 1965. Foto/M.Austria.

Os acontecimentos da realidade cotidiana podem se tornar temas do balé e como é possível conciliar essas temáticas com os passos tradicionais do balé?

R.van Dantzig : Sim. Mas é impossível, por exemplo, colocar o Vietnam no palco, isso seria assustador. É como na pintura, não é necessário que as coisas sejam mostradas realisticamente – uma cor pode representar uma ideia, um sentimento. Como a música, podendo expressar melhor um sentimento humano ou tornando viáveis os ruídos da civilização moderna sem que tenhamos que colocar automóveis no palco.

A dança mostra coisas terríveis, as sensações de solidão e de desespero através dos movimentos da coreografia, sem necessidade de uma linguagem linear, discursiva. Não acredito em certos balés que tem até exércitos marchando no palco, sendo utilizados para dar maior clareza à mensagem. Acredito, sim, no trabalho de um Bob Wilson que é coreógrafo e homem de teatro, mas que trabalha não só com atores mas com gente da rua, em espetáculos com duração de seis a oito horas, sabendo fazer magnificamente esse tipo de trabalho”.

Toer van Schayk : “Acho fundamental esse tipo de utilização da realidade cotidiana. Em vários trabalhos meus fiz muitas vezes alusões a coisas do cotidiano combinadas com os movimentos coreográficos do balé – por exemplo, pessoas acendendo cigarros ou outros gestos e atitudes tipicamente característicos do dia-a-dia de um homem. Com referência aos grandes acontecimentos da realidade contemporânea, a sucessão de fatos que vão fazer parte da história, considero impossível deixar de mostra-los, não só através do balé, como por outras formas de criação artística”.

A dança estaria caminhando, em nosso tempo, para uma espécie de teatro total?

R.van Dantzig : “Há tendências crescentes para o teatro total na dança mas, em minha opinião, a dança é, antes de tudo, uma forma de arte pura e espero que ela continue assim, prescindindo da ajuda das palavras, do canto e das outras artes. A dança tem que se expressar por si mesma, de maneira autônoma, e perderia muito de seu vigor original caso se fundisse completamente às outras artes. Cito, como exemplo, Balanchine que é o mais autêntico baluarte da dança no que concerne à conservação de sua pureza original – suas coreografias provam a real força da dança como expressão própria e pura. E é exatamente por isto que o considero maior coreógrafo dos tempos modernos.

Toer van Schayk : "Não sou, em princípio um grande adepto desta tendência, chego mesmo a não acreditar em teatro total. Já vi várias apresentações inteiramente convencionais de teatro que me deixaram completamente entusiasmado, enquanto certas performances a que se convencionou chamar de teatro total tiveram um efeito exatamente oposto, tornando-me completamente frio".

Há um “estilo holandês” de dança ?

Rudi van Dantzig : “Acredito que sim, pois  temos alguns trabalhos holandeses realmente originais. É uma pena que nas turnês ao Brasil tivéssemos que excluir algumas de nossas criações mais características para dar lugar a coreografias mais tradicionais ou de mais fácil acesso ao grande público. Mas mesmo nas poucas peças autenticamente autorais pode-se notar, claramente, a presença de um estilo holandês de dança”.

Toer van Schayk – “Pode  haver um estilo holandês de dança mas, pelo menos por enquanto, ainda bastante calcado nas formas do balé norte-americano. Por outro lado, estamos assimilando, dia a dia, as experiências do balé inglês, russo, além do americano, e na pesquisa constante dessas formas vai, talvez, surgir aí um estilo propriamente holandês de dança”.

                                        Wagner Corrêa de Araújo 

TOER VAN SCHAYK E RUDI VAN DANTZIG. Em 1975, ano de sua primeira turnê brasileira. Foto/ Het Nationale Ballet. 

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