WAGNER E VERDI : VIDAS PARALELAS. ARTIGO DE ALOISIO TEIXEIRA (IN MEMORIAN) NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 


Sempre tive muito preconceito com Wagner. Por motivos político-ideológicos (sua amizade com Nietzche e seu suposto anti-semitismo - o que o aproximaria do nazismo; sua filha, que dirigiu o Festival de Bayreuth após sua morte, era nazista e amiga de Hitler) e por motivos musicais (e aqui falo de minha iniciação musical pela ópera italiana, especialmente Verdi).

Felizmente hoje existem várias biografias de Wagner que nos permitem ter uma visão um pouco diferente de suas idéias e de sua vida. O que temos sobre as relações entre os dois compositores é pouco: todos dizem que não se conheceram e fizeram observações depreciativas sobre a obra um do outro. Apesar de Verdi ter lamentado a morte de Wagner, quando dela teve notícia.

Verdi, por certo, foi um sucesso desde logo - ou, pelo menos, desde a estréia de Nabuco. Verdi tinha uma posição política clara, era defensor da unificação italiana e participou do Risorgimento (remember Gramsci). Não por outra razão seu nome está ligado ao de Vitor Emanuel II, rei da Sardenha e primeiro rei da Itália unificada (em 1861): é o "Viva V.E.R.D.I.” (Vitor Emanuel Ré DItalia).
Sua música é uma expressão perfeita do romantismo italiano, movimento artístico que, em todos os países, esteve ligado às aspirações de uma burguesia em ascensão e que buscava estabelecer raízes (e formas) nacionais. E ópera, ademais, era a manifestação musical mais adequada à nova classe que se tornava dominante, constituindo-se como empreendimento comercial desde logo.

Quanto a Wagner, não acho que se possa dizer apenas que era um homem astuto, que "reunia, de preferência, príncipes ricos e meio doidos para financiar suas produções revolucionárias", ainda que essa afirmação venha adoçada com o "genial, socialista, sedutor e muito esperto". Até porque todos os compositores da época, de uma forma ou outra, acabaram encontrando seus mecenas para financiar suas atividades. Mesmo Verdi, no início, com Antonio Barezzi. Acho que socialista, Wagner pode ter sido (com pendores para o anarquismo), mas esperto não era; e sedutor também não sei - talvez instável (pelo menos até conhecer a filha de Liszt, sua última esposa); resta o genial...

Wagner era um homem amargurado: dúvidas sobre a verdadeira identidade do pai, órfão muito cedo (do pai e do padrasto), conheceu a pobreza; tinha mania de grandeza e era um jogador obsessivo; acumulava dívidas que o obrigaram a fugir para Riga (onde a primeira mulher teve um caso com outro homem) e o levaram a prisão em Paris; e, quando parecia que ia estabilizar sua vida em Dresden, aderiu à Revolução de 1848.

Essa é uma passagem interessante de sua vida, pois a adesão à Revolução não foi apenas uma manifestação de apoio intelectual; ele pegou em armas, integrou a Guarda Comunal Revolucionária. A própria Revolução é um fato histórico curioso, pois é uma "revolução mundial" (a "primavera dos povos" como foi chamada) em um mundo em que não havia internet, nem TV, nem rádio, em um mundo no qual o telégrafo dava seus primeiros passos e as estradas de ferro ainda engatinhavam; em poucas semanas ela se estendeu da França à Alemanha, ao Império Austro-Húngaro, à Itália e aos mais afastados rincões da Europa (até no Brasil teve efeitos - houve uma revolução em Pernambuco nesse ano, cujos panfletos mencionam os acontecimentos da Europa). Pois bem, Wagner participou desses episódios em Dresden, junto com Bakunin (o famoso anarquista) que por lá andava e de quem se tornou amigo. Resultado: com a derrota da Revolução, Wagner teve novamente que fugir para não ser preso e condenado (tal como Bakunin), passando 11 anos no exílio.


Berlim, 1848: a "revolução mundial" ou a "primavera dos povos".

No exílio, em Zurique, foi "adotado" por um empresário, mas acabou tendo um caso com a esposa de seu protetor e teve que abandonar a cidade; vai para Veneza de onde é expulso; convidado por Napoleão III, monta Tannhäuser em Paris, mas o espetáculo acaba em tumulto.

Há uma história de que, em Zurique, recebeu um convite de D. Pedro II para vir estabelecer-se no Brasil, mas a coisa não prosperou. D. Pedro II, anos depois, compareceu ao primeiro Festival de Bayreuth e conversou com Wagner. Imaginem: se a coisa houvesse prosperado, o Festival de Bayreuth poderia ser o Festival do Rio de Janeiro - ou de Petrópolis, cidade imperial...

Só em 1860 Wagner foi anistiado e pôde retornar à Alemanha, sendo então "adotado" pelo rei da Baviera, que pagou todas as suas dívidas (ele continuava até então cheio de dívidas, tendo, vez ou outra, que fugir e se esconder). E só nessa época conheceu alguma estabilidade (afetiva e financeira). Mesmo assim teve novamente que voltar a se exilar na Suíça, quando o Parlamento da Baviera revoltou-se contra os gastos excessivos que o rei fazia com Wagner (dizem que o rei era homossexual e apaixonado por Wagner, tendo chegado a propor-lhe abdicar e ir viver com o compositor em Zurique); mesmo assim o rei continuou a pagar-lhe régia pensão. E foi esse rei que bancou o novo teatro em Bayreuth.

Nesse último período, Wagner já era um compositor famoso: na estréia da Valquíria, em 1870, estiveram presentes Liszt, Brahms e Saint-Saëns. E na abertura do primeiro Festival de Bayreuth compareceram Guilherme I, Imperador da Alemanha, D. Pedro II, Imperador do Brasil, o tal Rei da Baviera, Nietzsche, Liszt, Saint-Saëns, Bruckner e Tchaikovsky.

Creio que a tese da "troca de figurinhas" entre Wagner e Verdi se sustenta, mesmo que não diretamente. Ambos conheciam a obra um do outro e a influência pode não ser um processo consciente. E as manifestações de desapreço que pronunciaram não devem ser levadas muito a sério.

Wagner era obsecado pela idéia da "ópera alemã", numa Europa em que a ópera italiana havia se tornado hegemônica (mesmo na Alemanha e no Império Austro-Húngaro, onde Salieri - injustamente retratado no filme Amadeus, de Milos Forman - aliás um ótimo filme - foi compositor oficial).

Num domingo, ouvi em CD O Ouro de Reno, e depois A Valquíria. Belas gravações com Christa Ludwig e Jessie Norman. Continuo maravilhado com essa composição. Não adquiri o hábito de assistir a DVD's nem gosto das óperas no cinema (embora reconheça que esse é, e será cada vez mais, o caminho pelo qual as novas gerações se aproximarão de uma forma musical tão rica. Gosto de ouvi-las em disco (ou CD, hoje em dia) e de vê-las ao vivo. Foi assim que minha geração aprendeu a gostar de ópera - apurando a sensibilidade musical nos discos e a visão da representação com as apresentações ao vivo no velho Theatro Municipal, ainda que muitas delas tenham sido bem estranhas ...
Abraços a todos,
 
Aloisio Teixeira.






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