COPACABANA PALACE – O MUSICAL : NOSTÁLGICO INVENTÁRIO CÊNICO DE UMA ERA EMBLEMÁTICA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Copacabana Palace - O Musical. Concepção diretorial/Gustavo Wabner/Sérgio Módena. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin. |
A trajetória de um transcendente símbolo memorial e de tradição icônica do Rio e do Brasil começou, nos primeiros anos da década de vinte, pelo incentivo à ideia, do então Presidente Epitácio Pessoa, de povoar o vasto deserto areal do bairro de Copacabana com uma desafiante fábrica de sonhos.
Assim nascia o Copacabana Palace Hotel ousado projeto arquitetônico de Octavio Guinle e que, já no seu tempo inaugural, demonstrava sua futura vocação turística em compasso internacional. Com a presença de uma personalidade marcante do show business europeu e americano – a atriz/cantora de cabaret parisiense Mistinguett expressando sua emoção por estar ali : Amar não é nada, ser amada é tudo. Amo o Brasil (agosto/1923).
Daí em diante, alguns de seus espaços alcançariam um futuro lendário, desde o Golden Room, a partir de 1938, considerado o desbravador palco latino americano de shows com nomes míticos do Brasil e do além mar. Ficando o Teatro Copacabana, no despontar dos anos 50, como um espaço cênico de prevalência quase exclusiva para o gênero boulevard, sinalizado por um constante desfile estelar até seu derradeiro espetáculo.
Em 1994, fechando suas portas e só agora, 27 anos depois, sendo devolvido ao público, após uma artesanal restauração que preservou seu original estilo na linha art déco, ainda que tenha passado por ligeiras alterações em seu primitivo aspecto.
Particularmente, um espaço de muita representividade afetiva, pois foi ali, em 1984, que ocorreu minha entrada no universo investigativo das artes cênicas, logo que cheguei ao Rio vindo de Minas, direto do Palácio das Artes para a TVE, Canal 2. Num projeto ambicioso do Teatro Copacabana Palace que envolvia a montagem de uma exposição local e de uma mostra cinematográfica sobre o Nazifascismo, mais um extenso catalogo documental/crítico sobre a época, tudo a propósito da peça E O Vento Não Levou...por indicação carinhosa das atrizes Maria Fernanda e Yara Amaral (Fato registrado nas pgs 504 a 506, do substancial livro “Yara Amaral – A Operária do Teatro”, de Eduardo Rieche, Tinta Negra, 2016). E referenciado também, especialmente neste momento, como advertência aos riscos do retorno da ameaça fascista que paira, perigosamente, sobre nós e sobre o mundo...
Copacabana Palace - O Musical. Concepção dramatúrgica -Ana Velloso/Vera Novello. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin. |
Esta volta acontece, oportunamente, em tempos difíceis para o universo teatral carioca com vários espaços paralisados ou definitivamente encerrados sob o surto pandêmico e a crise econômico/política, agravada com o sequencial desmonte das leis de incentivo cultural.
Com sólida escrita dramatúrgica em processo dúplice (Ana Velloso/Vera Novello) seguindo um ideário de Gustavo Wabner que, em acurada parceria diretorial com Sérgio Módena, reestreia o lendário palco com Copacabana Palace - O Musical conectado em duas linhas melodramáticas, do cotidiano hoteleiro ao enfoque histórico/artístico.
Podendo, sem dúvida, ser considerado funcional ao desafiar tempos tão adversos, mostrando alento suficiente para superar ocasionais vulnerabilidades, desde sua concepção na caixa cênica (Natalia Lana) ao seu dimensionamento tecno/artístico como espetáculo corajoso que nunca deixa de lado sua pulsão pelo entretenimento.
Sob um único espaço cenográfico direcionado para uma construção frontal fixa, possibilitando as envolventes projeções visuais, em compasso nostálgico, da dupla Vilarouca. Em escada central ladeada por planos superiores com reflexo especular de motivos plásticos/decorativos do prédio, sempre ressaltados em sensoriais efeitos luminares (Paulo Cesar Medeiros).
Escalando um elenco de vinte artistas, entre músicos e atores/cantores, tendo à sua frente o irrepreensível e amadurecido protagonismo de Suely Franco como Mariazinha Guinle, papel guia do espetáculo. Em relatos de fatos e tipos que marcam as recordações das ambiências do hotel em suas diversas fases, alternados na convicta entrega emotiva de Vanessa Gerbelli como a mesma personagem ainda jovem.
Ou no destaque de energizada luminosidade na atuação de Claudio Lins no papel de Octavio Guinle, com unidade interpretativa para os personagens hóspedes/artistas famosos sejam estes ora Orson Welles (Saulo Rodrigues), ora Cauby Peixoto (Chris Penna), em lúdica performance de retratos histriônicos. Extensiva à eficiente presença físico/vocal em papéis, às vezes alterativos, de um seguro elenco de atores/cantores/dançarinos, de Ariane Souza a Julia Gorman, entre outros.
Os figurinos (Karen Brusttolin) em discricionária elegância tornam-se mais aquarelados nas retomadas dos bailes carnavalescos. Com uma coreografia (Roberta Fernandes) sem grandes arrebatamentos em sua busca das danças características de épocas diferenciais. Sustentada por um boa direção musical (Herberth Souza) no comando de um afinado staff instrumental, ao vivo executando temas antológicos do repertorio da MPB e da música internacional.
Ainda a proposito de Copacabana Palace – O Musical, em seu desdobramento hoteleiro e teatral, um referencial curioso é o de que aventuras artísticas em espaços deste porte vem acontecendo desde a estreia nas telas de Grande Hotel, filme de Edmund Goulding(1932), com Greta Garbo no papel de uma hóspede/bailarina, à sua transposição para o sucesso dos palcos da Broadway, seis décadas depois.
Onde o fato de ser uma trama que envolve uma bailarina clássica remete a um episódio similar, mas não ficcional, entre Tatiana Leskova e o Copacabana Palace, pois logo que adotou o Brasil e o Rio como morada definitiva, ainda no período final da II Grande Guerra, sua estreia profissional foi dançando Lua Amiga, no Golden Room, num show de Silvio Caldas, trocando os Balés Russos pela MPB.
Por estas e por outras narrativas, merecem o maior aplauso tanto a gerência do Copacabana Palace Hotel pela reabertura do antigo teatro, quanto a produção, ali, de um musical tão certo para horas tão incertas, resgatando esta lembrança nostálgica do glamour de anos dourados como um sopro de esperança sob a perspectiva de luzes para tempos obscuros...
Wagner Corrêa de Araújo
Claudio Lins, Suely Franco e Vanessa Gerbelli em Copacabana Palace - O Musical. Dezembro 2021. Foto/Renato Mangolin. |
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