BICHOS DANÇANTES/FOCUS CIA DE DANÇA: REDESCOBERTA LÚDICA DE NOSSOS EUS ANIMAIS. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Focus Cia de Dança - Bichos Dançantes. Coreogafia Alex Neoral. Fevereiro 2022. Fotos/Divulgação.

 

Já na própria natureza, na manifestação dos instintos comportamentais dos animais, há um referencial do movimento espontâneo dos atos exibicionistas de assédio no acasalamento dos pássaros às aptidões rítmicas dos primatas ou aos saltos dos sapos e cangurus. 

E, na sistematização definitiva das regras acadêmicas do balé clássico, não faltaram as denominações de passos inspirados nos seres aquáticos como os peixes (Pas de Poisson) ou de animais domésticos como o Gato (Pas de Chat), incluídos também os cavalos (Pas de Cheval).

Na trajetória histórica dos grandes balés, vamos cruzar com os ratos do Quebra Nozes, as galinhas de La Fille Mal Gardée ou os cisnes do Lago, sempre dividindo o palco com os personagens humanos. Com plena autonomia performática, prevalentes como patos, sapos, coelhos, esquilos e ratinhos reunidos na grande festa da floresta dos Contos de Beatrix Potter, de 1971, na mágica aventura criada por Sir Frederick Ashton para o Royal Ballet.

De volta, mais recente, também no Carnaval dos Animais, com Saint Saens inspirando uma incisiva coreografia de Christopher Wheeldon, para o New York City Ballet, em 2003, na qual personagens familiares se identificam com animais no imaginário de um menino em processo de sonho.

Focus Cia de Dança - Bichos Dançantes. Coreogafia Alex Neoral. Fevereiro 2022. Fotos/Divulgação.


E, em mais um desafio a estes tempos pandêmicos, a Focus Cia de Dança, através de uma iniciativa de seu sempre desbravador coreógrafo/diretor Alex Neoral, conseguiu estrear, em 2021, a primeira representação presencial de dança dos palcos cariocas. Dedicado, em caráter especial e inédito na trajetória da Cia, ao público infantil, sob a nominação de Bichos Dançantes, o espetáculo faz, agora, sua segunda temporada ao vivo.  

Com o habitual esmero artístico da Focus e abrindo mais uma perspectiva em seu repertório, além de seu teor significativo pelo lançamento, em livro recém publicado, de Alex Neoral, ao lado de seu oficio de inventor coreográfico, como uma surpreendente revelação autoral também do teatro infantil.  

Numa proposta que se aproxima mais de um teatro coreográfico pela inserção de um roteiro dramatúrgico ancorado em funcional textualidade, a partir de uma festa de aniversário entre os bichos.  E que aparece, aqui, paralela à performance dos bailarinos, sob representação dublada dos personagens, por renomados atores do universo cênico carioca.

Numa fusão de estilos musicais, na parceria composicional dúplice da Tuim (integrada por Felipe Habib e Paula Raia), capaz de possibilitar um energizado e lúdico mix de corporeidade musical, sustentado ora por interativos momentos mais líricos e reflexivos, ora por passagens de potencial pulsão a uma contagiante alegria palco/plateia.

Em festiva ambientação cênica minimalista (Natalia Lana), sob luzes (Renato Machado) claras e vazadas estabelecendo gradações climáticas e ressaltando as caracterizações elegantes de uma indumentária (Ursula Felix) e de um visagismo (Daniel Reggio) longe da obviedade e dos apelos caricatos.

O que traz a referência virtual, neste biênio pandêmico, do projeto cinético/coreográfico Animal Kingdom da Akram Kahn Company, gravado no paisagismo natural das matas, campos e rios. Quando ao evocar o híbrido universo humano e animal, que convive implicitamente dentro de nós, conecta a essencialidade intimista de nossas dúplices emoções como feras e homens.

Perceptível sensorialmente nesta criação da Focus Cia de Dança, também sob o compasso desta difícil passagem global, onde o compartilhamento na busca mimética de cada um destes bichos incorporados por oito qualitativos  bailarinos (Carolina de Sá, Cosme Gregory, Isaías Estevam, José Villaça, Marina Teixeira, Monise Marques, Roberta Bussoni e Vitor Hamamoto) brilha na revelação carismática dos eus animais presentes em cada um deles e na sua transmutação em cada um de nós...

                                              Wagner Corrêa de Araújo

As fotos de Bichos Dançantes foram realizadas por um coletivo de fotógrafos : Dantas Jr, Manu Tasca, Sabrina de Paz e Felipe Habib.

Bichos Dançantes/Focus Cia de Dança está em cartaz na Cidade das Artes, sábados e domingos, às 16hs. Até 20 de fevereiro.

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