CIA DE DANÇA DEBORAH COLKER - "CURA" : INTROSPECÇÃO E ESPERANÇA EM COMPASSO COREOGRÁFICO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Cura - Cia de Dança Deborah Colker. Janeiro de 2022. Fotos/Leo Aversa.

Energia e quietude, densidade e silêncio, reflexão e denúncia, dor e esperança, fé e ciência. Um cruzamento de significados e simbologias marcam o mais novo espetáculo da Cia de Dança Deborah Colker, titulado como Cura.

Revelando, através de uma narrativa de dança-teatro na movimentação de corpos em conexão coreodramática, a verdade devastadora de uma moléstia degenerativa - longe da definitiva "cura”- a Epidermólise Bolhosa que, desde a nascença, assedia Theo, o neto de Deborah.

Projeto que, embora pareça ter uma ligação temática com o presente tempo pandêmico, é original de um longo processo anterior de ideário e criação pela diretora/coreógrafa Deborah Colker, em inventiva parceria dramaturgista com o escritor e rabino Nilton Bonder.

Tendo estreado no segundo semestre de 2021, inicialmente nas plataformas digitais, seguido de temporadas presenciais em diversas capitais brasileiras e, mais recentemente, nos palcos cariocas. Mantendo os mesmos elementos cinéticos, gráficos (sequências genéticas / inscrições bíblicas) e cânticos vocais (em idiomas hebraico/africanos) da versão virtual, pelos convictos bailarinos/dublês de cantores.

Em transcendente conexão intercultural da ancestralidade e da modernidade, no entremeio do sagrado e do profano, sustentada num cruzamento estético multifacetado, sob subliminar apelo étnico (por vezes, com sutil referencial dos quadros coreográficos orientalistas da Cia Akram Khan). Indo da sacralidade dos rituais do candomblé e da introspecção dos salmos bíblicos à linguagem da dança contemporânea.

Cura - Cia de Dança Deborah Colker. Janeiro de 2022. Fotos/Leo Aversa.

Em mix performático do legado da afro-brasilidade, através da percussão musical e da gestualidade incitada pelos ritmos dos terreiros. Remetendo à tradição milenar dos tambores usados em ritos litúrgicos de cura ou de morte. Captada, aqui,  de forma visceral, no conluio da corporeidade dançante junto à vigorosa trilha sonora autoral de Carlinhos Brown.

E com apenas dois interlúdios na sequência composicional do artista baiano : uma pausa de silêncio musical nas projeções frontais de fragmentos textuais dos Salmos de David e o atravessamento gravado da canção, de linhagem spiritual, por Leonard Cohen, nominada You Want It Darker, motivando um inspirado pas-de-deux.

Onde a integralidade da potencial concepção cenográfica (Gringo Cardia), sob luzes ambientalistas (Maneco Quinderé), é aberta pela indução metafórica à imagem de Obaluaê, dimensionada em estacas cobertas de palha à altura do palco, numa figuração do orixá das pestes e das curas.

Alternada pelo oportuno uso de faixas e bandagens num prevalente figurino (Claudia Kopke) de túnicas cerimoniais a malhas colantes com apliques aquarelados. Numa caixa cênica (G. Cardia) preenchida por rampas e pela mobilidade da estruturação e da demolição de um muro, à base de caixas, com um conceitual de limitações físicas ou de lamentos religiosos.  

Num teatro coreográfico imersivo e de entrega absoluta através de seus treze bailarinos. Com  um destaque especial na instigante e sensorial personificação solo, ora feminina (Vitória Lopes), ora masculina (Leony Boni), do domínio dolorido da moléstia e do sonho de sua libertação pela cura.

Se esta tradução cênica das adversidades da condição humana é capaz de provocar o questionamento pela dúvida, na melancólica constatação dos versos da canção de Cohen, de que “a grande cura é a morte”.  Com a derrubada do muro, entre o brilho efusivo das luzes e da interativa coreografia final, acaba por induzir à "Cura". 

Numa energizada dança alquímica, com introspectiva pulsão de vida e onde a fé, enfim, faz acreditar no ver em meio às trevas...

                                            Wagner Corrêa de Araújo

Cura, com a Cia de Dança Deborah Colker, está em cartaz no Teatro Casa Grande, Leblon/RJ,  em curta temporada, até 20 de fevereiro,  de quinta a sábado, 20h30; domingos, ás 19 h.


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