OLHOS DA PELE/REGINA MIRANDA : SOB UM LIBERTÁRIO DISCURSO CORPORAL DECIFRADOR DE SIGNOS. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Olhos da Pele. Regina Miranda/Concepção direcional inspirada na obra de Hélio Oiticica. Novembro/2022.Fotos/Carol Pires. |
Desde os anos 90, o discurso corporal de Regina Miranda vem se sustentando num múltiplo processo artístico, desde suas atuações como bailarina-coreógrafa-diretora a uma permanente busca investigativa pela ressignificação da linguagem no seu transito gestual.
Além de ter se tornado um das mais lídimas representantes do ideário e das práticas corporais de Rudolf Laban, na associação da dançaterapia a um comportamental onde “o movimento é a manifestação exterior dos sentimentos interiores cotidianos”.
Ela vem, também, transmutando para suas criações coreográficas/teatrais seu conceitual descortinador de uma nova realidade cênica que titula, em acertado propósito, como teatro coreográfico, com potenciais trabalhos criados na ultima década como Naitsu (2018) e Romola&Nijinska(2019).
Ao lado de realizações fílmicas e escritos teóricos/dramatúrgicos ancorados num jogo “mallarmaico” de dados pela redefinição inventiva do sentido de mobilização das palavras que dançam, marcadas por uma permanente troca entre o intérprete-criador e o espectador num impulso interativo de celebração ritual da vida.
Como acontece nesta sua última obra – Olhos da Pele, inspirada no entremeio do legado provocador de Hélio Oiticica e que Regina Miranda acompanha desde os anos setenta. Sob os impactos transformadores das realizações do artista, ora na ambiência nova-iorquina ora nas plagas cariocas. Desde a análise de suas obras plásticas e de seus escritos, à priorização nas incursões performáticas do artista com seus Penetráveis, Bólides e Parangolés.
Olhos da Pele, de Regina Miranda. Em cena, Marina Salomon, Fabiano Nunes e Lucas Popeta. Novembro/2022. Fotos/Carol Pires. |
E que ela sinaliza, agora e fisicamente, em Olhos da Pele, nesta sua tão bem vinda volta presencial ao espaço cênico. Compartilhando uma incisiva representação coreográfica/teatral com artistas conceituados do corpo e da palavra (Marina Salomon, Fabiano Nunes, Lucas Popeta) em irrestrita entrega personalista ao play deste jogo pleno de um verista vivenciar psicofísico. E contando com a não menos valiosa parceria documental de Cesar Oiticica (sobrinho do artista).
Onde a caixa cênica (por Regina Miranda dividindo-se na proposta indumentária de trajes cotidianos) é preenchida apenas por elementos móveis (mesas/tablados) que podem ao mesmo tempo sugestionar móbiles e penetráveis, num referencial aos Metaesquemas de Oiticica. O que possibilita a circularidade labiríntica dos atores/bailarinos e a sua interlocução numa corporeidade verbal em aproximativo contato litúrgico com livre participação do público.
Sob um desenho climático de luzes mais vazadas que focais (Luiz Paulo Nenen) e de pontuações incidentais de sonoridades eletroacústicas (Sergio Krakovski) alterativas com autorais ritmos de pandeiro ao vivo do músico, no energizado solo em que o ator/bailarino Fabiano Nunes se apresenta com um fluido figurino derivativo das vestes dos Parangolés. Em cenas intermediadas por vídeos, exibidos em tela frontal, enunciativos de temas de substrato literário que remetem simultaneamente às reflexivas anotações em cadernos, ora de Oiticica ora de Regina Miranda (com interpretação cinética, além dela, por Marina Salomon).
Que trabalho consistente é este Olhos da Pele, sensorial, sensual e contemplativo, rigoroso esteticamente e lúdico em sua fruição catártica, transgressivo ao propor rupturas no conceitual mimético de um espetáculo coreográfico e no seu direcionamento a uma obra aberta, desdobrando o significado a ele imprimido por seus criadores/intérpretes na fruição metafórica da releitura de cada um de seus espectadores.
Ecoando simbolicamente, no comprometimento da sua espontânea e contínua invenção, na transmutação do corpo como veiculador de mensagens e em seu propósito questionador por novos signos artísticos comportamentais, o emblemático lema que norteou a vida e a arte de Hélio Oiticica :
“O exercício da liberdade não consiste na criação de obras, mas em experimentar o experimental”...
Wagner Corrêa de Araújo
Olhos da Pele está em cartaz no Teatro Cacilda Becker/Catete, de sexta a sábado, às 20h; domingo às 19h. Até 04 de dezembro.
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