ARIADNE EM NAXOS : SOB O CONFRONTO ESTÉTICO ENTRE O TEATRO BURLESCO E A ÓPERA SÉRIA. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

Ariadne em Naxos, de Richard Strauss. Temporada de Ópera do Theatro São Pedro. Novembro/2022. Fotos/Heloisa Bortz.


A parceria artística entre Richard Strauss e o dramaturgo Hugo von Hofmannsthal foi um trunfo na trajetória do compositor, rendendo algumas de suas obras primas como Electra (1909), O Cavaleiro da Rosa (1911) e Ariadne em Naxos, nas suas duas versões  (1912/1916), seguindo sempre um processo estético de incisiva conexão cênica entre as linguagens do teatro e da ópera.

O que transmutou a concepção desta última obra num inovador experimento, à sua época, de teatro dentro do teatro, ópera dentro da ópera, ao mostrar os bastidores do projeto na montagem simultânea de uma encenação que traria elementos da commedia dell’arte ao lado da faceta mais melodramática da grande ópera.

Pelo libreto, através do desejo de um burguês vienense de realizar uma comemoração cênica durante um jantar, a ser acompanhada por apoteótico lance de fogos de artificio em sua residência senhorial.  Numa espécie de jogo híbrido, lúdico e irônico, onde o prólogo mostraria os preparativos do espetáculo através do exibicionismo vaidoso de seus integrantes, incluindo desde a postura impositiva de seu mordomo ao clima de intrigas entre ensaiadores e atores/cantores.

E que seria continuado pela representação propriamente da ópera, embora esta acabasse sendo intermediada pelas intervenções paralelas da trupe burlesca. Possibilitando, assim, especialmente nas versões contemporâneas, uma abertura a diversas releituras, com um certo sotaque pop convivendo com a tradição operística. Caso desta instigante inventividade concepcional e diretorial do argentino  Pablo Maritano para a Ariadne em Naxos, na temporada 2022 do Theatro São Pedro/SP.

       Ariadne em Naxos, de Richard Strauss. Direção concepcional Pablo Maritano. Novembro/2022. Fotos/Heloisa Bortz.

Acompanhada, sob uma mesma linhagem criativa, pela cenografia com traços tropicais e uma indumentária de tons aquarelados, em realização dúplice de Desirée Bastos, ampliada sob efeitos visagistas (Tiça Camargo) e ambiências luminares (Aline Santine). E indo mais longe ao substituir a imaginária ilha de Naxos por uma piscina, em mármore, integrante da mansão.

Além da maleabilidade funcional de uma prévia sala/espaço com lustres brancos no formato de bolas festivas, ladeada por entradas e um corredor frontal por onde entram e saem os membros do elenco caracterizando-se, "entre tapas e beijos", para a ação performática.

A composição musical representando certos avanços na escrita operística de Richard Strauss, ao revelar uma sutil influência de estilos prevalentes nas primeiras décadas do século, no seu progressivo distanciamento do romantismo. Por intermédio de uma mais contida estrutura orquestral, em assumida proximidade de modulações mais camerísticas, via solos instrumentais, sinalizando as passagens cênicas entre árias breves e recitativos, no Prólogo. 

E em leitmotivs de potencial envolvência melódica com um subliminar referencial wagneriano, uma espécie de identificação a la "Liebestod" na ária lamentosa e no dueto de amor da segunda parte, sequenciando solos e cenas mais leves do Ato I. Sempre, sob um permanente cuidado artesanal na competente regência do alemão Felix Krieger, frente à Orquestra Sinfônica do Theatro São Pedro.

No elenco, entre papeis protagonistas, há um favorecimento dos personagens femininos, já se destacando a partir do início, a convicta personificação feminina como o Compositor, pela soprano Luisa Francesconi.  Seguindo-se no papel de Zerbinetta  a soprano Carla Domingues, segura na ária de maior exigência vocal entre o Prólogo e o Ato I. Completando-se o tríduo com a absoluta entrega e a envergadura do apelo dramático/musical da soprano Eiko Senda no papel titular.

Das interpretações do naipe masculino, há que se sublinhar o belo empenho do tenor Eric Herrero diante do desafiante alcance da extensa e ideal tessitura para Baco, além da expressiva exclusividade na performance de um ator que fala sem qualquer notação musical, por Luiz Päetow como o Mordomo, revelando uma perceptível maturidade cênica a partir de seus trabalhos com o diretor Antunes Filho.

Theatro São Pedro encerra, assim com raro brilho, através desta Ariadne em Naxos, a Temporada 2022, sendo o único palco brasileiro, no enfrentamento de tempos culturais tão difíceis, capaz de vir sustentando uma maior e regular seleção de variadas óperas em acuradas montagens. E que este, enfim, continue a sua resistência por um ideário operístico, na constância qualitativa de sua tão necessária programação lírica...

 

                                            Wagner Corrêa de Araújo



 Ariadne em Naxos está em cartaz no Theatro São Pedro/SP,  de 23 de novembro a 3 de dezembro, quartas e sábados, às 20h; domingos, às 17h.

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