DON QUIXOTE/CORPO DE BAILE DO TMRJ : A MAIS TRADICIONAL CIA. BRASILEIRA DE BALÉ APOSTA NO RESGATE DE SEU LEGADO CLÁSSICO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Don Quixote, com o Balé do TMRJ,  no encerramento da Temporada 2022. Fotos/Daniel Ebendinger.


No ano em que se comemora o centenário presencial de Tatiana Leskova há que se referenciar que foi um programa/tributo aos Balés Russos, com remontagem dela para Les Sylphides, em 2015, um dos últimos exemplares  absolutos da tradição qualitativa do Balé do Theatro Municipal.

Daí em diante, foram se sucedendo as crises, de um lado por problemas financeiros aos quais se junta o biênio do surto pandêmico, de outro pela instabilidade estética, com raríssimas exceções quanto a um razoável êxito, nas tentativas para retomar seus anos memoráveis de brilho no repertório clássico. O que ocasionou a partida, na perspectiva por novos horizontes, para muitos de seus solistas em cias do exterior.

Depois de sofríveis tentativas em obras como Giselle e Bodas de Aurora, o Balé começou a reativar seu folego com o preenchimento de vagas (incluídas aí a Orquestra e o Coro do TMRJ) e os primeiros resultados, mesmo  tímidos, apareceram com uma remontagem sob superficiais  ressalvas, no entremeio de seus altos e baixos, de um recente Lago dos Cisnes, seguida de um despretensioso O Corsário.

Dando sequência ao desafio pela reconquista de seu padrão clássico, o Balé do TM encerra sua Temporada 2022, finalmente com uma boa retomada do seu resgate conceitual, através deste Don Quixote. Contando já há algum tempo com os novos acréscimos em seu Corpo de Baile, sob um dúplice comando artístico/coreográfico de Hélio Bejani ao lado do maître Jorge Teixeira.


Don Quixote, Ato II. Balé do TMRJ. Remontagem de Helio Bejani(direção artística) e do maitre Jorge Teixeira. Dezembro/2022. Fotos/Daniel Ebendinger.



E sob a sustentação de uma OSTM, com sólida e convicta direção do maestro Jésus Figueiredo, em sua releitura dos acordes românticos, mais ludicamente energizados que de assumida inspiração lírica, como aqueles dos balés tchaikovskianos, e segundo o ideário da própria partitura original de Ludwig Minkus.

Onde se destacam os funcionais figurinos (Tania Agra/João Corrêa) com prevalência de rubros nas indumentárias ciganas e dos toureiros, além dos apliques dourados nos vestidos coloridos das juvenis aldeãs, confrontando-se com a elegância mais formalista dos trajes do casal romântico protagonista – Kitri (Marcia Jaqueline) e Basílio (Cicero Gomes).

A cenografia (Glauco Bernardi/Manoel Pucci) conservadora em seu figurativismo, acompanhando a tendência antiga do uso de telões, comete um deslize modernoso no exagero kitsch das bolas que enfeitam a praça flamenca das bodas finais, prevalecendo sobre os habituais décors florais. Sempre com efeitos luminares (Paulo Ornellas) mais vazados nos Atos 1 e 3, e alterativos nas luzes entre sombras do Ato 2.

O argumento usa a titulação e a citação visual do Don Quixote, junto ao seu eterno escudeiro Sancho Pança, apenas como um incidente subliminar do percurso errante destes personagens pela aldeia, e nos delírios cavalheirescos confundindo as visões de donzelas (incluída Kitri) com a de sua musa Dulcinea, atacando também o moinho de vento como um inimigo imaginário.

No mais, a narrativa, a partir do entrecho coreográfico básico por Marius Petipa, de 1869 às suas inúmeras outras revisões, se completa com os embates da conquista amorosa do casal Kitri/Basílio. Paralelo à representação coadjuvante de tipos característicos como o estalajadeiro e um típico açougueiro, além do empostado fidalgo Gamache, da rapariga Mercedes e do grupo de ciganos e toureiros.

Em espetáculo coreográfico que sempre exige muito timing na representação mimética dos tipos e situações, além da entrega à psicofisicalidade das danças grupais e solistas. O que o duo estelar da estreia (Márcia Jaqueline e Cícero Gomes) atende com sua espontaneidade performática, seu senso de teatralidade e humor, culminando seu aporte técnico numa envolvência carismática, especialmente na cena do  sedutor  pas-de-deux final.

Se o Balé do TMRJ ainda não logrou o realcance completo do ansiado perfeccionismo de outros de seus memoráveis momentos, felizmente parece estar caminhando, mesmo a passos lentos, para isto. Mas para que isto se processe com maior instantaneidade é preciso urgentemente retornar à diversidade de outras visões coreográficas como sempre ali aconteceu.

Isto é parte fundamental da proposta estético/coreográfico evolutiva de qualquer grande Cia, pois, assim, tornam maior sua pulsão e élan criativos. Ancoradas, afinal, no encontro de outros olhares e outras linguagens, direcionados sempre à busca investigativa de uma técnica transfigurada em arte...

 

                                          Wagner Corrêa de Araújo



Don Quixote/Balé do TMRJ, está em cartaz no Teatro Municipal, Cinelândia, quartas a sábados, às 19hs; domingos, às 17h; até 23 de dezembro

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