PRAZER, HAMLET : UMA TRANSGRESSORA RELEITURA METALINGUÍSTICA DO ICÔNICO PERSONAGEM. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Prazer, Hamlet. Direção/Ciro Barcelos. Com Rodrigo Simas. Março/2023. Fotos/Ronaldo Gutierrez. |
Nas duas últimas décadas os palcos cariocas mostraram pelo menos umas cinco polêmicas incursões dramatúrgicas no entorno do mítico personagem shakespeariano. Como foi o caso do Hamlet Processo de Revelação (Emanuel Aragão), Hamlet ou Morte, do Grupo Os Trágicos, Ensaio Hamlet (Enrique Diaz), mais o Hamlet (Wagner Moura) de Aderbal Freire Filho, além de uma versão inglesa para atores de cinco continentes de Dominic Dromgoole, através do Shakespeare’s Globe Theatre.
A partir do registro de críticas autorais no blog Escrituras Cenicas sobre estes espetáculos, retomo aqui algumas referências possibilitadas por estas versões com o olhar armado na contemporaneidade para introduzir a mais recente delas - Prazer, Hamlet - em processo monologal com o ator Rodrigo Simas, sob a direção concepcional de Ciro Barcelos.
Hamlet na sua resistência atemporal foi sempre além de seu universo originário com a sua problemática existencial. O que o distancia do paradigma do clássico herói grego comandado, indelevelmente, pelas forças de um destino superior. Enquanto o personagem shakespeariano é desafiado e derrubado pelos conflitos de sua própria subjetividade e de sua dúvida anti-heroica ainda que pela pulsão de uma força fantasmagórica.
E nisto reside certamente sua permanente atualidade, pois seus conflitos e questionamentos o aproximam sempre do homem contemporâneo. Sem nenhum anacronismo possibilitando assim, nesta sua inserção à realidade dos tempos modernos, um possível compartilhamento, em similar élan emotivo de seus espectadores, do seu entremeio secular aos anos do terceiro milênio.
Prazer, Hamlet. Com Rodrigo Simas. Figurino/Claudio Tovar. Março/2023. Fotos/Ronaldo Gutierrez. |
Lembrando que é perceptível existir um certo enfrentamento deste desafio ocasionado, muitas vezes e, especialmente, entre teatrólogos, puristas e pesquisadores, como acirrados seguidores da tradição. O que os afasta, preconceituosamente por vezes, da simples conferência destas propostas.
Ora com discordâncias radicais, ora ao lado do aplauso entusiasta de parcelas da crítica, além de possíveis estranhamentos da audiência consumidora destas polemizadas ou provocadoras releituras em compasso minimalista ou de desconstrução do primitivo substrato conceitual da tragédia. É o que está acontecendo quem sabe com este Prazer, Hamlet, a começar da temporada paulista com visível sucesso de público, ao lado de uma quase absoluta abstenção de registros críticos.
O que talvez comprove de um lado uma certa hesitação inicial do ator em realmente assumir o papel quando começou o processo de criação, logo após o convite de Ciro Barcelos, o que o próprio chegou a declarar em algumas entrevistas assumindo sua quase desistência definitiva.
Claramente compreensível, pois Rodrigo Simas é um ator bastante jovem voltado para criações televisivas, em papéis mais leves ou algumas participações em peças e comédias cinematográficas brasileiras. Sendo mais do que natural o seu temor diante do desafio de estrear num palco com um monólogo psicodramático a partir de um icônico personagem do teatro universal.
Mas apostou finalmente, contando com o incentivo dramatúrgico/concepcional de Ciro Barcelos, na proposta de um vigoroso teatro físico/gestual aproveitando a potencialidade atlética do ator, sem deixar de lado uma representação voltada para o metafórico questionamento das situações existenciais, genéticas ou políticas, direcionadas a um clima de permanente tragicidade com um sotaque ironico.
Aqui superdimensionadas com um inédito aporte de transgressora sexualidade de diversidade identitária, no seu imaginário envolvimento afetivo com Horácio em detrimento do amor por Ofélia, sempre numa busca investigativa de entrega a uma performance em clima instigante. Ampliada pela originalidade artesanal dos elementos cenográficos e indumentários da lavra de Cláudio Tovar, dos precisos efeitos luminares de Caetano Vilela e das oportunas incidências sonoras de André Perini.
Em espetáculo que avança transgressivamente com reflexos especulares em aspectos éticos e psicológicos do ator/personagem, sob interativa participação palco/plateia, como comparsas de uma trama finalizada, seja no que há de ser ou não ser, com o resto é silêncio...
Wagner Corrêa de Araújo
Prazer, Hamlet está em cartaz no Teatro Gláucio Gil/Copacabana, de sexta a segunda feira, em horários extras, até o dia 3 de abril.
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