GIL REFAZENDO/GRUPO CORPO: ENTRE A DESPRETENSÃO LÚDICA E O ENFOQUE REFLEXIVO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Gil Refazendo/Grupo Corpo. Rodrigo Pederneiras/Coreógrafo. Maio/2023. Fotos/José Luiz Pederneiras. |
Num dimensionamento estético inédito, o Grupo Corpo quebra sua tradicional proposta de um espetáculo reunindo, desta vez, uma obra em processo de reestreia à outra já integrante de seu repertório, neste seu novo Gil Refazendo.
É o que se pode perceber na representação complementada por Breu, sendo a primeira uma releitura a partir de uma criação (Gil) de 2019 e a outra (Breu) idealizada há cerca de dezesseis anos. Partindo de uma insatisfação de seu mentor (Rodrigo Pederneiras) quanto à absoluta completude coreográfica/cênica da primeira.
Onde, em sua quase integralidade como obra artística, pretendeu-se uma retomada mais à altura como resultado do seu ideário original, imprimindo continuidade sequencial à irrepreensível série dedicada e titulada no entorno da reverência a grandes compositores da MPB.
Manteve-se intacta, assim, apenas a trilha com sua particularizada releitura do legado musical de Gilberto Gil. Não se atendo à linearidade e ao imediatismo das facilidades melódicas identificativas de seus grandes sucessos, priorizou-se uma conexão reprocessada de estilos e referências musicais (afro brasileiras, jazzísticas e roqueiras).
Havendo no suporte cenográfico, toda uma guinada diferencial com outros figurinos (Freuza Zechmeister), substitutivos das cores aquareladas das malhas para tons mais discricionários no linho cru dos trajes, sob efeitos luminares vazados numa assumida claridade que se confronta com as nuances amareladas da versão original. Extensiva à mobilidade de projeções frontais, reproduzindo girassóis mortos reflorescendo (na dúplice concepção de Paulo Pederneiras).
Breu / Grupo Corpo. Rodrigo Pederneiras/Coreografia. Maio/2023. Fotos/José Luiz Pederneiras |
Recursos cênicos sempre a favor de uma sempre energizada e interativa corporeidade dançante que nunca deixa nada a desejar no seu perfeccionismo técnico e na unicidade gestual dos bailarinos, uma marca indelével da linguagem coreográfica em meio século do Grupo Corpo.
Mas que se torna, aqui, excessivamente reiterativa no descompromisso da ludicidade do seu vocabulário de movimentos. Sendo isto ressaltado, contraditoriamente, com a maior fixação do olhar no repetitivo gingado das contrações musculares e no fraseado deste molejo corporal, em possível desatenção ao despojamento na neutralidade tonal dos figurinos.
Impressão falha que, em preciso acerto coreográfico, é desconstruída com a vigorosa dramaturgia corporal/cênica trazida pela segunda obra – Breu. Uma ousada criação que subverte um dos princípios básicos da gramática coreográfica do Grupo Corpo – a sua luminosa expansividade espacial num trabalho todo voltado para o chão, para a superfíce/solo da caixa cênica.
Além de abordagem de uma temática densa e de ares soturnos em volta da violência que nos assola cotidianamente, desde o horror dos noticiários policiais aos desmandos políticos, estendendo-se aos abusos da individualidade humana no seu eterno querer passar por cima - uns dos outros.
Onde este Breu do dia a dia é revelado em imersivas descobertas do corpo coreográfico, à beira do abismo e em compasso de pânico, desde o sombreamento predominante da paisagem cenográfica (Paulo Pederneiras) ao grafismo preto e branco dos figurinos (Freuza Zechmeister).
Acentuados pelo score sonoro/autoral de Lenine, numa suíte de oito movimentos com um sotaque de dança urbana pontuada pelos pesados rufares da bateria metaleira de Igor Cavalera. Capaz, ainda, de transmutar este assoalho em espaço para violenta superposição da fisicalidade corporal dos bailarinos, atirando-se rasteiramente em saltos, corpos sobre corpos.
Entre “aquele abraço” incompleto e ainda não conclusivo de Gil Refazendo, com sua mensagem de lúdico lirismo, e o deslocar-se para o pesadelo do Breu, sobrepõe-o recado reflexivo da resistência cultural do Grupo Corpo para tempos obscuros, sempre sintonizado na mineiridade muriliana de um olhar armado na contemporaneidade...
Wagner Corrêa de Araújo
O Grupo Corpo está em cartaz no Teatro Multiplan/Shopping Village Mall, de quarta a sábado, às 20h; domingo às 17h. Até 21 de maio.
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